sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Vísceras
Os discursos presidenciais de Jorge Sampaio não eram fáceis de entender: as frases eram longas, com várias orações intercaladas e palavras pouco usadas. Havia sempre necessidade de tradução, de alguém que, enfim, simplificasse e resumisse o discurso de Sampaio. Já os discursos de Cavaco Silva, que só contam com palavras simples e incluem perguntas tão patéticas como “será que alguém pode ter acesso aos meus e-mails?”, são vagos, vazios, imprecisos e pouco esclarecedores, semeados de frases enigmáticas que podem querer dizer coisas diferentes consoante o prisma pelo qual se leiam. Há nisto, é verdade, algumas vantagens. Desde logo, as comunicações de Cavaco ao país podem chegar a agradar a toda a gente, desde que não se espere que sirvam para alguma coisa de substancial ou para esclarecer o que quer que seja. Mas Cavaco, se não precisa de tradutor, necessita de intérpretes, de vários intérpretes, de um intérprete para cada uma das mensagens que se queira extrair dos discursos. E é tão diversificado aquilo que se pode ler num discurso que não diz nada que, na verdade, os intérpretes de Cavaco fazem lembrar certos xamãs dedicados a adivinhar o futuro nas vísceras dos animais.