quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Espertos são os macacos
















De acordo com o narrador do conto de Jorge Luis Borges que abre O Aleph, os etíopes alegam que os macacos só não falam para que os não obriguem a trabalhar. Na hipótese (improvável) de ser verdade, tratar-se-ia de uma estratégia admirável e muito sábia, graças à qual os símios se têm poupado à escravatura, ao trabalho forçado, à produção de riqueza por conta de outrem e, não menos importante, ao pagamento de impostos e de contribuições para a segurança social.

Não lhes tendo ocorrido tal esperteza, os homens que não detêm os meios de produção de capital hão-de continuar a ter de fazer isto e aquilo, trabalhar e consumir, para que, no fim, alguém lucre alguma coisa com isso. Parece-me, tanto quanto sou capaz de enxergar, que, de todo o modo, a maioria dos indivíduos da espécie humana convive amenamente com esta contingência, em princípio porque os homens gostam sobremaneira de tagarelar e não trocariam esse prazer pela possibilidade de serem livres.

Hoje por hoje, seja como for, a tarefa dos macacos está bastante facilitada. Não querendo trabalhar, bastaria esperar que os despedissem (o que acaba por suceder mais tarde ou mais cedo), inscrevendo-se ordeiramente no centro de emprego e passando a apresentar-se quinzenalmente na junta de freguesia da respectiva área de residência (tenha ou não sido objecto de fusão administrativa). Também serão convocados para sessões de formação em técnicas de procura de emprego e para cursos modulares certificados, cuja frequência obrigatória lhes assegurará pelo menos três meses de papo para o ar.

Talvez não sejam completamente livres, os macacos, vivendo esta espécie de liberdade condicional, mas é quase certo que ninguém os forçará a trabalhar enquanto asseguram o funcionamento das empresas certificadas de formação. Calhando, podiam até dar-se ao luxo de passar a tagarelar como os humanos, acamaradando nos intervalos para o café e o cigarro. Paradoxalmente, porém, ainda não vi símio nenhum no curso de empreendedorismo que me calhou em sorte ter de frequentar. Os macacos são muito mais espertos do que parecem.