quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Fim de tarde, Hotel dos Anjos; manhã, Calle de las Avenidas

“Nada digno de registo”. Ao telefone, as autoridades de segurança e protecção civil garantem que a noite e a manhã deste primeiro dia de Dezembro foram calmas e que nada justifica uma pequena notícia que seja. Utilizo há mais de uma década estas mesmas folhas A4 onde estão impressos os contactos telefónicos e, olhando-as em cima da secretária na redacção vazia, sempre tenho noção da exacta medida do meu fracasso. As páginas estão ainda semeadas de anotações diversas, algumas já quase apagadas pelo tempo e outras ainda perfeitamente perceptíveis, embora eu não consiga recordar-me daquilo a que respeitam: “quatro cinco linhas/até ao fim de Março”; “advogados pedem 700 contos/não se apresentou”; “obriga a mexidas”... Na primeira folha, porém, há uma nota com o nome de um hotel (“Hotel dos Anjos”), um número de telefone, uma morada e um preço, “35 euros”. Lembro-me perfeitamente de tê-lo escrito há sete anos e, também, da estada no Hotel dos Anjos. Ocorre-me que Hotel dos Anjos teria sido um bom título para alguma coisa que tivesse escrito nestes sete anos, mas só hoje reparei nesta nota e é já demasiado tarde. Não sou, em definitivo, a mesma pessoa que pernoitou no Hotel dos Anjos e talvez tenha tido a clara noção disso quando, um destes dias, estava deitado no Hotel América, em Vigo, a poucos passos do cais que aparece numa fotografia tornada possível pela noite no Hotel dos Anjos. Caminhei até à marina na manhã seguinte e, conforme desconfiei, não senti nenhuma nostalgia, nenhum desconforto, nada. Mesmo o sítio me pareceu estranhamente outro, apesar de ser exactamente o mesmo sítio, com os seus galpões brancos, os barcos (talvez os mesmos) agitando-se levemente, os mastros sem velas. Soube que envelheci, soube-o profundamente, na carne, quando constatei que nem o facto de ali estar era já capaz de comover-me. Aprendi entretanto as virtudes da tranquilidade e que, enquanto não sabem beneficiar do amor das mulheres bonitas, os homens fracos são menos infelizes ficando quietos.

P.S.: uma leitora de Espanha apresentou-me há minutos o seu protesto relativo às linhas finais do post anterior, nas quais eu tinha escrito que "os homens que não sabem merecer o amor das mulheres bonitas deviam estar condenados a amar apenas as muito feias". Diz ela: "Como mujer fea que soy, no me ha gustado nada la idea de que amarme sea una condena, sólo por ese simple hecho". E está completamente certa. O texto já está corrigido.