segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Alerta amarelo

(Crónica publicada no P2 do Público, no dia 15 de Dezembro de 2009. Amanhã, como todas as terças-feiras, há mais)



Os senhores ecologistas que me perdoem, mas, em dias assim, o arrefecimento local monopoliza completamente a minha distorcida atenção e não me sobra espaço quase nenhum para as transcendências do aquecimento global ou para discorrer sobre outros temas prementes da actualidade. Penso, sim, em Aminatu Aidar e na nobreza delicada da luta dela, na força tranquila das suas convicções, mas as minhas energias estão todas canalizadas para a necessidade de manter as mãos, os pés e as orelhas a uma temperatura minimamente aceitável. Lamento.

Esta manhã, para que tudo fosse ainda mais dramático, a bateria do meu carro sucumbiu às baixas temperaturas. Tinha vários litros do demoníaco combustível fóssil no depósito, mas o motor recusou-se a funcionar, o que me obrigou a andar um pedaço a pé, transido de frio, para encontrar quem pudesse vir em meu socorro e me vendesse uma bateria nova. Consequentemente, pus-me inquieto (e um pouco céptico) ante a perspectiva de, um dia, ficar completamente dependente da electricidade quando quiser sair de casa para trabalhar.

Devia, isso sim, ter ficado até mais tarde entre os lençóis de flanela, escutando as notícias que davam conta da agressão a Silvio Berlusconi com uma miniatura em gesso da catedral de Milão e ponderando na gravidade de tais acontecimentos. Como, porém, vim trabalhar, estive a ver as fotografias do ataque na imprensa internacional e constatei que o primeiro-ministro italiano parecia ontem menos “belo e bronzeado” do que é costume. Temo sinceramente pela integridade do sorriso dele, mas, estando o mundo intolerante como está, e havendo em Itália uma crescente aversão pelos estrangeiros, não deixa de ser irónico que Berlusconi tenha sido atacado por um italiano de gema empunhando um símbolo católico, e não por um stranieri immigrati armado com a miniatura de um minarete qualquer.

Por muito celerado que possa ser o agressor, ninguém me convence que Massimo Tartaglia se daria ao trabalho de levantar a mão contra Berlusconi numa noite cálida e primaveril. O Inverno indispõe as pessoas, torna-as agressivas, mesquinhas e egoístas, pouco sociáveis e desleixadas na depilação. Abstêm-se de sair de casa e de praticar saudáveis actividades ao ar livre, optando, em vez disso, por se concentrarem em centros comerciais onde trocam perigosos miasmas pandémicos e produzem toneladas de dióxido de carbono resultantes do aquecimento e das iluminações natalícias. Somos, por isso, insensíveis à catástrofe que a Conferência de Copenhaga tenta evitar e comportamo-nos como loucos correndo em direcção ao abismo (desde que o abismo seja um sítio quentinho).

O acordo na capital dinamarquesa está, parece, complicado e isto nem sequer espanta. Se quiserem aceitar um conselho, tratem de organizar a próxima cimeira dedicada ao ambiente num sítio quente, durante o Verão. Prometo, nessa altura, mobilizar-me e praticar um activismo frenético e efectivo, pelo menos durante aqueles períodos do dia em que não for conveniente estar na praia a apanhar sol.