terça-feira, 17 de novembro de 2009

Wonder Woman




Contrariando aquilo que milhões de portugueses (re)descobrirão nos próximos meses, esta crónica honra escrupulosamente a palavra dada. Tinha prometido Beyoncé e, para cumprir, nem precisava de outro motivo que não fosse o elevado interesse estético da iniciativa. Mas os astros não dormem nem desamparam o cronista abnegado, pelo que acaba de ser anunciado que a cantora norte-americana foi escolhida para protagonizar o filme Wonder Woman (Mulher Maravilha, na tradução literal, ou Super Mulher, conforme o título português da série televisiva dos anos 1970).

Independentemente da tradução que se escolha, a notícia de que Beyoncé Knowles será a próxima Wonder Woman constitui um belíssimo pretexto para esta crónica e também uma extraordinária redundância. Melhor do que isto só se anunciassem que Adolf Hitler iria interpretar uma nova versão d’O Grande Ditador de Chaplin.

Para além de todos os belos e curvilíneos argumentos que plenamente justificam a escolha do realizador John Moore, eu estou convencido de que Beyoncé é realmente dotada de superpoderes (ela cantou “to the left”, na canção Irreplaceable, e a América virou à esquerda como um cachorrinho obediente). Suspeito também de que Beyoncé é extraterrestre: aquele quadril e o movimento que o anima quando dança são claramente sobrehumanos e não me espantaria nada se viesse a descobrir-se que ela nasceu em Kripton e é prima direita do Super Homem.

Há nisto, claro, um pequeno inconveniente, na medida em que, depois de Beyoncé protagonizar Wonder Woman, é provável que me veja obrigado a reconstruir a infância e a reorganizar o código de valores cimentado enquanto assistia, com infantil excitação, às façanhas da Super Mulher que era Lynda Carter, com os olhos muito azuis, o bustier encarnado e ouro onde se abrigava o generoso peito da heroína, o pequeno calção azul com estrelas brancas e o chicote dourado que manejava como um cowboy desajeitado, usando-o para laçar os vilões. A imagem de Beyoncé, estou certo, substituirá a de Lynda no meu imaginário, o que não deixará de acarretar vários distúrbios freudianos e, eventualmente, alguma confusão ontológica.

Apesar dos perigos que corro, estou mortinho para ver Beyoncé metida numa versão moderna do sensual uniforme que a actriz Lynda Carter usava na televisão. Não sei o que passará pela cabeça dos aderecistas do filme, mas creio que até seria boa ideia aproveitar alguns dos conceitos testados nessa notável peça de vídeoarte que é o teledisco de Single Ladies, dotando Wonder Woman de uma mão metálica, justiceira e cibernética, implacável com os facínoras.

Temei, pois, bandidos, que a Wonder Woman está de volta. Quando (e se) riscar os céus como um pequeno ponto de luz a velocidade supersónica, os transeuntes perguntarão se é um pássaro ou um avião. Embevecido e sonhador, alguém responderá:

- Não. É a Super Mulher. Que avião!


Crónica publicada no P2 do Público, no dia 13 de Outubro de 2009. Hoje, como todas as terças-feiras, há nova remessa