terça-feira, 27 de maio de 2014

Polícia de labirintos

Os dissabores do verdadeiro polícia, de Roberto Bolaño, assemelha-se, às vezes, a um rascunho de 2666 que o autor chileno tivesse abandonado à pressa. É muito menos interessante e percebe-se que Bolaño nem sequer se preocupou a eliminar redundâncias ou repetições. Arcimboldi também não se parece com o Arcimboldi de 2666. Santa Teresa é uma cidade um pouco menos angustiante, como se o desvario do apocalipse ainda fosse apenas uma nuvem distante e rala. Há rascunhos de personagens que depois se desenvolvem e apenas ganham consistência em 2666. E Amalfitano hesita ainda entre a melancolia e a desistência. Mas depois há frases de Os dissabores do verdadeiro polícia que redimem tudo e passagens que parecem servir de contra-senha para certos mistérios que pairam sobre 2666. Há-de ser, afinal, apenas mais uma peça do puzzle ou mais um corredor do labirinto bolañiano: uma galeria irregular, confusa, a partir da qual se abrem novas saídas que talvez conduzam ao fim do enigma ou apenas a outros becos sem saída.