domingo, 6 de junho de 2010

Ser ou não ser um João César das Neves



Não tenho nenhum prazer especial (mesmo) em contrariar o doutor César das Neves, que deve ser espectacular a praticar o amor em Cristo, salvo seja, mas, fraco como sou, carne e apenas carne, deixo-me, às vezes, cair na tentação e cedo, também eu, pobre desgraçado, ao totalitarismo do orgasmo e pratico uma série de badalhoquices que, de algum modo, me equipara à tenebrosa maioria parlamentar e faz de mim uma espécie de José Sócrates de alcova, mas um pouco mais meigo e com menor propensão a praticar a sodomia (em sentido figurado) com um número tão considerável de portugueses e portuguesas (como diria o saudoso António Guterres). O santo e pacato doutor, guardião insone dos valores da portugalidade, há-de arrepiar-se quase todos os dias com as mais diversas coisas do quotidiano, mas, pensando bem, a distância que vai da proibição à legalização é, na maior partes dos casos, uma distância deste tamanhinho assim, basta ver como a Guernica de Picasso foi, durante décadas, proibidíssima em Espanha e, afinal, é só uma pintura esquisita e que não parece causar grandes danos físicos e morais a quem ouse contemplá-la. Calhando, porém, podemos todos, um dia, transformar-nos em indivíduo bolorentos como o doutor Neves. Seremos indivíduos dispostos a lutar contra o que der e vier, dos moinhos de vento de Cervantes à fruta fresca dos Monty Pythons, privados, também nós, da vertigem do orgasmo, que não sei que raiva lhe tem o doutor Neves, mas, calhando, já há medicamentos no mercado capazes de assegurar algum conforto ao bom senhor. Sabendo, como sabemos, que o corpo não é eterno e que nem todos possuímos uma alma em que se possam depositar fundadas esperanças, talvez não seja mau de todo, afinal de contas, não deixar para amanhã o orgasmo que nos seja possível gozar hoje. A vida são dois dias e, amanhã, podemos ser já um João César das Neves.