sexta-feira, 20 de março de 2009

Apenas um pouco tarde

Encontrei há dias o Manuel António Pina na contramão das escadas rolantes: eu subia para ir ao cinema, ele descia para ir a uma festa de aniversário para a qual já estava atrasado. Trocámos apenas uma ou duas frases e ele teve tempo, ainda assim, para me dizer que passa quase todos os dias pelo Teatro Anatómico. Senti orgulho e pânico. O Manuel António Pina é só o mais fabuloso cronista português em actividade e um enorme escritor, pelo que a sua visita a este estaminé me envaidece. Mas eu sou só um sujeito que se vê obrigado a escrever num blogue porque não tem outro sítio onde possa deixar expostos os frutos da sua anormalidade e custa-me saber que o Manuel António Pina aqui vem perder tempo a ler coisinhas tão sem eira nem beira que nem de borla as querem noutros sítios. Sinto-me culpado e nem sei bem de quê – ser involuntariamente responsável pelo tempo que o Manuel António Pina aqui perde já não é pouco. Agora que sei disto, talvez possa corrigir alguma coisa, abstendo-me, desde logo, de escrever coisas em que o Manuel António Pina perca tempo, mas, não menos importante, poupando o meu próprio tempo. Um dia ainda hei-de ser capaz de dedicar-me apenas a coisas práticas e rentáveis e, quando e se isso acontecer, creio que vou poder encarar de frente o Manuel António Pina, olhando-o apenas com admiração e sem a culpa e o remorso que agora sinto por não ter conseguido aprender coisa nenhuma com aquilo que ele escreve.