segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Às portas da Europa

É uma coincidência que esteja a ler "Danúbio", o livro de Claudio Magris, enquanto volta a estar na ordem do dia o rio (e o eixo geográfico) para onde a História da Europa parece confluir ciclicamente. Da Sérvia para a Hungria, e depois para a Áustria e para a Alemanha, centenas de milhares de seres humanos desesperados voltam a percorrer o incontornável trilho. Recordo, por isso, o que Magris escreveu no capítulo "Os Turcos às portas de Viena", dedicado à batalha que, em 1863, manteve o islão fora da Europa, mas também a uma exposição que evocava aquela batalha. Aqui, uma fotografia de um moderno artista turco tinha como legenda a frase "Os nossos avós passaram por aqui a cavalo e nós varremos hoje estas ruas. A culpa é nossa e não dos austríacos". Regresso a esta frase e à catadupa de imagens que todos os dias chegam da Hungria, da Grécia, da Áustria e da Alemanha, ao menino sírio afogado e lançado como um destroço para uma praia turca, à imensa maré que outra vez procura subir o Danúbio - não já para cavalgar e conquistar, nem sequer para varrer as nossas ruas em busca de uma vida melhor. Estas pessoas que aí vêm procuram apenas, mas desesperadamente, algo tão simples como sobreviver. E pouco lhes interessa de quem é a culpa. Releio Magris: "O Danúbio corre, largo, e o vento da tarde passa pelo café ao ar livre como a respiração de uma velha Europa que talvez esteja já hoje nas margens do mundo, sem já produzir mas apenas consumindo História". Devagar, um dia após o outro, empanturrámo-nos da História e da realidade que bate com estrondo às portas da Europa.