terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Lavagem a jacto

"O outono - escreveu Cortázar no início do conto Não se culpe ninguém - é um vestir e despir de pullovers, um ir-se fechando e alheando". E o inverno, já se sabe, é mais ou menos a mesma coisa (com picos gripais acentuados, mais muco no nariz e caos nas urgências hospitalares). Das notícias, ainda assim, chama-me sobretudo a atenção o nome de Hermes Freitas Magnus, brasileiro e denunciante de um caso de lavagem de dinheiro que envolve outra vez (e sempre) o BES. Leio o nome de Hermes Freitas Magnus e imediatamente me ocorre que este podia ser o nome de um personagem antigo do escritor Rubem Fonseca. Só depois me lembro que há de facto, no romance A Grande Arte, um personagem chamado Hermes, especialista no uso de facas e no chamado Percor (perfurar e cortar). No livro, Hermes ensina Mandrake, o advogado, a manejar as facas para se defender, mas acaba morto quando vai recolher uma cassete de video que comprometia Roberto Mitry, um personagem que, com a família Lima Prado e as organizações Aquiles, parece saído directamente da comissão de inquérito do BES. Thales Lima Prado, o primo, corrompe políticos e dedica-se a lavar dinheiro proveniente do tráfico de droga e de outros negócios ilegais. Na insânia que é viver, parece mesmo que a verdade e a ficção se confundem - como dois pullovers que se vestem e despem no longo calvário do outono-inverno.