quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Avenida do Brasil (work in progress)

















Porto, Janeiro de 2015

Arrefece sempre um pouco à hora
incerta do lusco-fusco.
As nuvens passam voando como bandos
de pássaros lentos
e, para o sul, o horizonte é um incêndio aceso
ardendo em lume laranja brando.
À Avenida do Brasil não chegam os terrores
cruéis dos boulevards de Paris,
nem as quotidianas misérias da pátria. Ignoramos
por teimosia as carrancas dos telejornais
para que nenhuma notícia urgente venha
sobressaltar-nos enquanto escutamos 
o gratuito rumor do crepúsculo.
Embriagados de maresia e vento, de ocaso
e melancolia, encolhemos o pescoço na gola
do casaco, como cágados, 
e assalta-nos o receio de que, um dia, 
também a beleza das coisas simples
caia sob a grotesca alçada da autoridade
tributária e aduaneira
- e nos transforme a todos
em clandestinos traficantes do pôr-do-sol.