segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Coisas do ano






















Na mais recente crónica que escreveu para o El País, Enrique Vila-Matas conta como a luz mortiça das termas de Marienbad se parece com o ambiente dos romances de Sebald. Talvez nisto, aliás, todas as termas velhas se assemelhem e exista nos amplos balneários antigos e azulejados alguma coisa de um tempo que teima em persistir num espaço que não lhe pertence já (ou vice-versa?).

Lembrei-me inexplicavelmente desta crónica por causa de uns velhos que vi pescando à beira-rio, enregelados ao ponto de apenas manterem o nariz no exterior dos agasalhos escuros - e todavia pescando pacientemente, melancólicos e trágicos como personagens secundárias de um romance de Sebald ou de Walser (morto na neve no Natal de 1956). Fui, por isso, reler o texto de Vila-Matas e constatei que me tinha esquecido completamente que não se tratava de uma crónica sobre a sebaldiana luz de Marienbad, reflectindo, em vez disso, sobre o peso de chumbo que nos assalta quando pensamos em todas as listas que os críticos produziram sobre as melhores coisas que se fizeram durante o ano que finda.

Na crónica, Vila-Matas inteira-se por telefone das listas dos melhores livros do ano e curva-se ao peso da subjectividade, do tumultuo, da inutilidade e do esquecimento - como se carregasse às costas uma enorme pilha de livros do ano, esmagadora e ainda assim cheia de lacunas inexplicáveis. Reli-o depois de também eu ter passado a manhã a atravessar à pressa os jornais do fim-de-semana e as suas intermináveis listas de coisas do ano, das quais não retive quase coisa nenhuma (quanto muito uma escolha tão bizarra e inesperada que apenas qualifica a boçalidade do crítico a crédito e a braços com uma lista de livros que talvez nem sequer tenha lido).

No limiar quase do ano que finda, olho também para trás e não me ocorrem livros, discos, exposições ou filmes. Lembro-me de coisas da vida. Mas qualquer lista que fizesse seria tão inútil como a enumeração dos dias que ainda viverá a minha avó que vai morrer.