quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Afinidades electivas

Tendo ou não lido o livro de Goethe, que cunhou a expressão, quase toda a gente sabe hoje o que são afinidades electivas. Dizemos que temos afinidades electivas com esta ou aquela pessoa quando gostamos dos mesmos livros, dos mesmos discos ou dos mesmos filmes. A mim, por exemplo, acontece-se frequentemente encontrar afinidades electivas com o Fernando Alves da TSF: na semana passada, a propósito do dia do saxofone, ele lembrou-se de Cortázar e do saxofone de Johnny Carter, o inesquecível personagem do conto El Perseguidor. Esta manhã, por causa de uma entrevista com Paolo Conte, o cantautor italiano, Fernando Alves lembrou-se de Lluís Llach, o cantautor catalão do qual, reconheceu, andava esquecido. Eu também não me lembrava de Llach há algum tempo e vim escutando na auto-estrada as palavras do Fernando Alves sobre as coisas antigas e as almas antigas como se, de algum modo, me pertencesse também um desses vagos, gasosos e abstractos apetrechos que as pessoas pouco práticas acreditam poder salvar depois da morte. Lembrei-me de Lluís Llach enquanto acelerava no túnel da auto-estrada e ocorreu-me também que talvez devesse ter escutado as canções dele enquanto lia algumas das melancolias catalãs de Roberto Bolaño, que talvez tenha também uma alma antiga, ou aquilo a que Paolo Conte chama uma alma antiga, mesmo que a palavra alma não signifique nada e que ser antigo ou moderno não passe, afinal, de uma afinidade electiva com coisas ou pessoas que passaram de moda e já não cabem no turbilhão pós-moderno das "cosmovidas".