sexta-feira, 31 de outubro de 2014

A assombrosa história do cabo Almeida e da sua triste filhinha

Tencionava, admito, debruçar-me sobre uma das muitas frases que Durão Barroso, o futuro ex-presidente da Comissão Europeia, tem debitado esta semana. Refiro-me, em concreto, ao momento em que o demente declara, como os da ala psiquiátrica que garantem ser Napoleão Bonaparte, que foi o timoneiro certo para levar a barca europeia a bom porto - e que a história assim há-de reconhecê-lo.

Perdi, entretanto, a vontade de desperdiçar tempo com mitómanos comuns, tanto mais que, enquanto folheava o Correio da Manhã, constatei que Nelson Rodrigues ali servia de bandeja mais um episódio da incrível e assombrosa história do cabo da GNR que fazia espectáculos de strip-tease com a farda de serviço. Também neste caso, parece-me, o dramaturgo brasileiro homónimo teria abundante material de reflexão em torno da condição humana.

Numa só noite, segundo leio, o cabo Almeida esteve animando festividades dedicadas ao Dia da Mulher em pelo menos quatro localidades portuguesas, a saber: Viana do Castelo, Esposende, Esmoriz e Oliveira de Azeméis. A duzentos euros cada actuação, e sempre sem perder de vista a Glock de serviço, o indómito militar arrecadou oitocentas mocas, mais algum eventual troco com que a selecta assistência o tenha presenteado.

Não é caso, porém, para comentários soezes ou para risotas entendidas. De acordo com o processo a que Nelson Rodrigues, o jornalista, teve acesso, os "shows eróticos" do cabo Almeida eram assunto sério e motivado, quiçá, pela genial liderança europeia de Durão Barroso. Quando o cherne reconhece que, a despeito da sua histórica missão, "muitos europeus sofreram e estão ainda a sofrer", podia, com efeito, estar a referir-se ao GNR dos Carvalhos - que "estava a divorciar-se" e "necessitava de dinheiro para ajudar a sustentar a filha, de 14 anos", assim justificando a fraqueza moral de que foi acometido.

Só não chora quem não tem coração. O próprio Durão, digo eu, podia dispensar uns trocos da reforma europeia para que a filha do cabo Almeida não acabe a vender fósforos à porta de algum cinema.