sexta-feira, 13 de junho de 2014

Infelizmente foi pénalti

















Os anos passam. A sabedoria e a temperança, porém, tardam a chegar e parecem-se muito, no meu caso, com aqueles ciclistas da Volta a França que são muito eficazes nos sprints e na distribuição de bidões de água, mas que chegam à meta com hora e meia de atraso nas etapas dos Alpes. Se facilmente o reconheço, faço-o, neste caso, a propósito de outra modalidade desportiva, o pontapé na bola, cujo campeonato mundial ontem começou no Brasil; e porque, essa é que é a fria verdade, tenho permitido que, com o passar dos anos, a exposição prolongada às transmissões televisivas dos jogos desvirtue a minha relação privilegiada com o jogo.

Na adolescência é que era: passava os dias na praia a dar pontapés numa bola de plástico, não via jogo nenhum e, mesmo assim, tenho a certeza de que não há equipa que se compare à do Brasil de 1982. O Zico, o Sócrates e o Toninho Cerezzo eram geniais e não se fala mais nisso. Também nunca vi um jogo da "laranja mecânica" de 1974, facto que não belisca minimamente a imensa devoção que tenho por Cruyff (ou lá como é que isto se escreve). E ainda, às vezes, me belisco para acreditar que o Diego Armando Maradona de 1986 existiu de verdade e não é apenas um deus gordo e vicioso.

Agora, como ontem sucedeu com o Brasil-Croácia, vejo na televisão todos os jogos que seja possível — provavelmente convencido de que posso testemunhar a qualquer instante um momento histórico de que o meus futuros netos se lembrarão perfeitamente e que quererão discutir comigo, se calhar (nunca se sabe) para me convencerem de que a Croácia de 2014 era a melhor selecção que alguma vez jogou a bola, prejudicada e espoliada pela arbitragem de um japonês cujo nome se terá perdido na poeira do tempo. O facto de ter visto o jogo, e de o ter feito em condições românticas muitíssimo favoráveis, podia ajudar a corroborar esta ideia. Distraído como estava com o sorriso da Sara, cheguei a entusiasmar-me com os moços de camisola esquisita e a desejar que vencessem a equipa do Scolari (por princípio e também por um inalienável amor ao jogo, torço sempre contra o Scolari; e contra o David Luiz). Ou que empatassem, pelo menos.

Qual adolescente tropeçando ainda de ternura pelo futebol (parafraseio, claro, Alexandre O'Neill), ainda protestei, por isso, a injustiça da grande penalidade que deu vantagem aos brasileiros. "Gamanço!", quase gritei. Porém, velho e insensato como vou estando, e ainda por cima dependente da colorida festa televisiva, cometi a ignomínia de ver todas as repetições do "lance polémico", acabando por reparar que Lovren parece, de facto, puxar o ombro de Fred, derrubando-o. Talvez tenha sido pénalti, acabei por concluir, decepcionado e um pouco triste — não tanto com o resultado como com a constatação de que a realidade pode, às vezes, ser uma coisa perfeitamente desagradável.