quinta-feira, 29 de maio de 2014

Não inventar nada
















Na entrada "Diário de trabalho - 22 de Maio", dos Fragmentos de Apocalipse, Gonzalo Torrente Ballester escreveu que "ninguém inventa nada, o que se chama nada, nem as palavras, nem as figuras, nem os acontecimentos". Refere-se, bem entendido, à actividade do escritor. E ele foi um dos maiores, ainda que agora já ninguém se lembre nem leia o Filomeno, o Don Juan, Os anos indecisos ou a Crónica do rei pasmado (que deu, aliás, origem a um belo filme do Imanol Uribe). Mudamente, repito-o muitas vezes: ninguém inventa nada. E, todavia, com dois novos livros quase a chegar aos leitores, já às vezes me formiga na ponta dos dedos a vontade de escrever outro, de não inventar nada outra vez e, ainda assim, ter a sensação de que estou criando alguma coisa, ao menos um gesto de que mais ninguém se tenha lembrado antes, ou uma frase ainda não dita nem escrita. É o que sempre nos move, moveu e moverá — a mim, a Don Gonzalo ou ao próximo grande escritor da moda. Inventaremos o nada quantas vezes for preciso para que, ao menos, tenhamos a vaga ilusão de fazer parte de alguma coisa. Para que nos leiam e, lendo-nos, nos tornem um pouco mais reais; tão reais como uma mão movendo-se diante dos nossos olhos.