segunda-feira, 24 de março de 2014

Livraria Esperança















Já tinha ouvido falar da Livraria Esperança do Funchal. Até já tinha lido e relido A Viagem Vertical, o romance de Enrique Vila-Matas em que Federico Mayol sai daquele estabelecimento livreiro e se afasta devagar, sem pressa nenhuma, dissolvendo-se na noite "como quem se perde na boca do inferno". Mas nada do que tinha lido ou ouvido me tinha preparado para o que realmente é a Livraria Esperança, que tem algo de labirinto borgeano e de bazar, uma espécie de amável caos de corredores e estantes e salas consecutivas onde parece fácil alguém perder-se e desaparecer.

Tão incrível e exótico como um pássaro azul ou a sumaúma frutificando cachos de algodão, é possível que entre os mais de 107 mil títulos guardados na Esperança se consiga encontrar o livro que há anos se procurava sem sucesso, bastando perguntar a alguma das discretas e diligentes funcionárias (a qual, daí a nada, surgirá de entre duas estantes com o tesouro nas mãos, perguntando ironicamente aquele "o que é que a Esperança não tem?"). Chega a parecer plausível que ali estejam, de facto, não 107 ou 108 mil livros, mas todos os livros do mundo — presos por molas, encavalitando-se, aguardando pelo dia em que um leitor concreto chegará à Esperança e perguntará pelo livro que só ali existe e que ali o aguardava. Parece que a livraria do Funchal não é um estabelecimento comercial mas um organismo vivo e diligente que todos os dias reabre depois de, durante a noite, os livros terem conversado uns com os outros sobre o leitor que, mais cedo ou mais tarde, virá por cada um deles.