sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Há esperança, disse o investigador

Há mais ou menos um ano escrevi um post descrevendo o modo como os livros se tinham rearrumado na sala após algum labor, embora, na verdade, nunca me tenha feito falta que as lombadas obedecessem a uma organização muito escrupulosa. De um modo geral, funciono bem no meio de um certo caos metódico. Consigo encontrar à primeira um documento que esteja há anos sepultado sob uma determinada pilha de papéis e nunca demoro mais de um instante a descobrir onde está um livro ou uma frase que preciso de encontrar.

A frase anterior devia, porém, ter sido escrita num tempo verbal diferente, que indicasse, pelo menos, que aquela realidade se vem alterando. É cada vez mais comum que me esqueça disto ou daquilo e que a cabeça se me desarrume e baralhe de um modo inquietante, ao ponto, por exemplo, de não conseguir encontrar um determinado livro que li há coisa de um ano e que agora não sei onde meti, embora as minhas estantes estejam ainda longe de se parecerem com a proverbial e infinita biblioteca de Borges (mas também pode ser que esteja a confundir a biblioteca do Borges com outra biblioteca qualquer que tenha lido há muito tempo).

Ocorreu-me isto e nem sequer foi por ter comprado hoje, num momento de excentricidade, O Relatório de Brodie, cujo prólogo Borges ditou por já estar cego e incapaz de escrever. Lembrei-me do progressivo esquecimento que me acomete, isso sim, por causa de uma notícia de telejornal dando conta da descoberta de uma proteína qualquer relacionada com a perda de memória. Testes realizados com ratinhos de laboratório permitiram já aumentar a capacidade dos bichinhos para se recordarem de coisas que, de outro modo, teriam esquecido.

O investigador que falou na reportagem explicou, aliás, que a descoberta ainda não permite curar doenças como o Alzheimer, embora, acrescentou, haja agora um esperança em forma de proteína. É possível, portanto, que um dia, devidamente abastecido da dita proteína, me venha a lembrar do sítio onde enfiei o livro do Afonso Cruz. Isto, claro, se não o tiver encontrado antes ou se já não me recordar de que andei à procura dele e não o achei. Mas há esperança — ao menos para o esquecimento.