quinta-feira, 16 de maio de 2013

Mesmo nesta estranha vida



Ao fim de quase quatro anos de clandestinidade, Salman Rushdie contou à mãe, numa carta, que o livro que então estava a escrever (o belo O Último Suspiro do Mouro) estava a correr bem. "Já vejo a última linha", escreveu. E acrescentou: "Quando um livro está a correr bem tudo o resto na vida parece tolerável, mesmo nesta estranha vida". Simultaneamente imerso e apartado da estranha vida em que agora vivemos, no estranho país que temos, penso na frase de Rushdie e ocorre-me que talvez seja verdade; que o bom curso dos livros, para quem os escreve, tem a faculdade de tornar tudo o resto menos nebuloso. O livro, em todo o caso, não está a correr bem e não lhe vejo a última linha ou, sequer, a próxima. Mas, se calhar, não se perde nada com isso.