terça-feira, 19 de março de 2013

Podia muito bem calar-me e fingir que estou morto



Digamos, para resumi-lo de algum modo, que a coisa aconteceu assim: uma dessas empresas cujos administradores são nomeados pelos governos do costume contactou-me para me convidar a participar numa iniciativa de carácter cultural, com data e hora marcadas, a fim de assinalar uma data relacionada com o livro e a leitura. Cabia-me autografar livros e a editora que tem publicado o que escrevo também já tinha sido posta a par, tendo-lhe sido pedido um orçamento para os livros a adquirir. Hoje, porém, fui informado de que um director da empresa decidiu substituir-me por outro escritor, provavelmente mais sossegado ou com melhores credenciais literárias, francamente não sei, o que me fez ponderar, outra vez, sobre a relativa insensatez que há nisto de expressar publicamente as minhas opiniões, ou de me expressar de todo, uma vez que não há nada mais aconselhável para a saúde de um peixe do que fingir que está morto e deixar-se ir com a corrente. Podia evidentemente calar-me, fazer-me esquecer, censurar-me, sorrir muito para as fotografias e domesticar o imbecil incauto que há em mim e que, de vez em quando, ousa pôr a cabeça fora do tanque de aquacultura em que vamos vivendo; podia muito bem fazê-lo, talvez até arranjasse um emprego em menos de um fósforo, mas não ficava de bem com a minha consciência. Gosto muito de, quando me deito, adormecer como se não houvesse amanhã, e de, sei lá, participar no grande e permanente circo colectivo daqueles que, segundo o engenheiro da Sonae, estão a lerpar com a crise.