sábado, 9 de fevereiro de 2013

O essencial e o acessório


Existe, na literatura, uma ideia bastante arreigada segundo a qual boa parte do trabalho do escritor consiste em aparar as frases e reduzi-las ao seu miolo vital. Ainda ontem, por exemplo, o li entre os epigramas de Eduardo Torres, a personagem de O Resto É Silêncio, de Augusto Monterroso: "Todo o trabalho literário deve sempre reduzir-se e corrigir-se. [...] Anula uma linha cada dia". Não me recordo, porém, de ver este conceito discutido nas artes plásticas. Mesmo as obras que se resumem a uma tela em branco o são, creio, ab initio e não resultam de um trabalho de redução ao essencial. Mas há, ainda assim, um bom exemplo de síntese na pintura, pelo menos a ser verdade que o quadro A Origem do Mundo, de Gustave Courbet, é, afinal, apenas parte de um retrato completo, que incluía também um rosto. Ao concentrar-se no essencial, na origem, Courbet aproxima a sua obra da origem de cada um de nós. Com mais ou menos depilação, o ventre d'A Origem é simultaneamente universal e particular. Sem cabeça, ali está, afinal, o início de tudo e, ao mesmo tempo, qualquer mulher, uma que o espectador tenha conhecido, que tenha amado ou que, mais prosaicamente, deseje.