segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Dr. Jeckyll e mr. Hyde no rés-do-chão



Estou quase de partida para a Póvoa de Varzim, para participar em mais uma edição das Correntes d'Escritas. Fica desde já prometido que, desta vez, não voltarei a contar histórias da minha peculiar vizinha, o que é sempre um pouco lastimável na medida em que a boa senhora continua em parte incerta e, por isso, impossibilitada de produzir alguma das suas inspiradoras tiradas. Em compensação, as janelas da casa permanecem tão esdruxulamente decoradas como no dia em que ela saiu de casa e não voltou, recordando a quem passa que ali morava um ser humano bastante patusco.

Com efeito, a minha vizinha era tão desconcertante que só há relativamente pouco tempo algumas pessoas perceberam que apenas habitava uma pessoa naquele melancólico apartamento. Havia quem julgasse que ela era duas pessoas diferentes: a mulher um pouco desarrumada que, durante o dia, executava tarefas estrambólicas à janela e a senhora elegante e bem vestida que, ao entardecer, saía de casa a caminho de sabe-se lá que misteriosas distracções. Uma espécie, portanto, de dr. Jeckyll e mr. Hyde, caso igualmente estranho e do foro da psicologia clínica, mas sem a complexidade moral do duplo personagem de Stevenson.

Vai-se a ver, porém, e o defeito é meu, que não sei aproveitar o potencial literário da minha vizinha, a qual, calhando, é apenas um desses seres incompreendidos, um pouco perdidos no mundo e incapazes de saber, ao certo, quantas infinitas almas tem.