quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Nunca mais vi Brasília


Uma das particularidades mais lamentáveis da juventude é a ignorância. Devo-lhe várias coisas. Por exemplo: ter estado quinze dias no Funchal quando tinha 17 anos e não ter dado grande atenção ao edifício do casino, que só mais tarde soube ter sido desenhado pelo Óscar Niemeyer. Entre um momento e o outro, no meio de toda a tralha inútil que acumulei na cabeça, acabei também por aprender quem era o Óscar Niemeyer. E ainda fui a tempo de, estando muitos anos depois em São Paulo, me assombrar com as claras e mirabolantes curvas que o prodigioso arquitecto semeou entre o arvoredo do Parque Ibirapuera.

Curiosamente, nunca fiz grande questão de ir a São Paulo. Quando me apaixonei pelo Brasil — pela literatura, pela música, pelo cinema, pelas crónicas do Luís Fernando Veríssimo, pelo Rubem Fonseca, pela Dona Flor, pelo Caetano e pelo Chico, e pela imensidão descomunal daquela terra onde também se fala o português —, eu queria, isso sim, ir ao Rio de Janeiro para ver as gloriosas curvas dos morros irrompendo das ondas, as curvas da calçada portuguesa de Ipanema e as reviengas elípticas do samba e do carnaval. E queria ir a Brasília, onde esperava assombrar-me com os edifícios que Niemeyer desenhara e que apenas conhecia das fotografias.

Tantos anos depois, tendo ido a São Paulo, à Bahia e a Pernambuco, continuo sem ir ao Rio e sem ter chegado a conhecer Brasília. Há dois anos e meio, quando a cidade cumpriu 50 anos de idade, e como, se calhar, não havia orçamento para enviar um repórter em condições ao Brasil, o jornal em que trabalhava pediu-me que preparasse um trabalho sobre o que era Brasília hoje. Fi-lo sem sair da secretária, recorrendo ao telefone e ao e-mail (como qualquer jornalista tolo).

"Brasília: a cidade dos sonhos caiu na real", o texto que dali resultou, começava assim: "Havia no início, na ideia de criar Brasília, algo de poético e utópico". E citava depois uma frase do presidente Juscelino Kubitschek, na qual descrevia o sonho de Brasília como "uma cidade bela e racional como um teorema, leve e airosa como uma flor". Nunca mais vi Brasília, mas é assim que, dê o mundo as voltas que der, continuarei a pensar em cada edifício de Niemeyer, o arquitecto que ontem morreu.