sábado, 24 de novembro de 2012

Pequenas felicidades simples

O meu filho está lá dentro, no quarto, a tocar guitarra e a cantar — com a luz apagada para ter a certeza de que é capaz de o fazer de olhos fechados. Canta e toca bem, é o que eu acho. Estou sozinho na sala, a ouvi-lo e a pensar que num país decente as pessoas com talento podem contar com o futuro, e a lembrar-me de um texto que a minha filha me mostrou anteontem, um belo texto, no qual fala da esperança que tem e de como sente orgulho de ter por pai um tipo como eu, de como os pais lhes ensinaram a ter sonhos e a lutar por eles.

Não estou seguro de que os sonhos não nasçam já com as pessoas, e de que aos pais não caiba apenas a tarefa de não lhos estragar precocemente; de os não querer obrigar a ser médicos, advogados, engenheiros informáticos ou economistas. Tenho a sorte de ter sido pai cedo e de a falência dos meus sonhos, e do país em que calhei de nascer, ter vindo já demasiado tarde para foder os sonhos deles antes de que pudessem, sequer, começar a sonhá-los.

Tenho dois filhos espectaculares (digo-o muitas vezes, mas quase nunca a quem devia). A Maria hoje não está, foi ao cinema, e o Afonso foi lá para dentro tocar guitarra e harmónica, cantar. Talvez saiba que está a cantar para mim. Talvez não. Eu estou a ouvi-lo. É a melhor coisa que aprendi a fazer sendo pai deles. Há noites felizes sem ser por nada. Noites de pequenas felicidades simples.