segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Os isqueiros gastam-se até ao fim


Perder coisas, pessoas, objectos, referências, princípios, mesmo que seja apenas perdê-los de vista, há-de ser uma circunstância normal na vida de quase todos os indivíduos. Não é possível, por exemplo, trazer sempre debaixo de olho todas as coisas de que uma pessoa se rodeia e de que necessita. Todos os pares peúgas, por exemplo. Todos os livros. Todos os amigos. Tal como as coisas estão, tornou-se comum perder o emprego, perder direitos sociais, perder parte do subsídio de desemprego, o abono de família, o rendimento social de inserção. Perder a esperança. A tudo o ar do tempo vai levando de mansinho, devagar, sucessivamente. Há muitos meses que não vejo o meu exemplar de Nemésis, aquele que se sabe agora ter sido o último romance de Philip Roth, e que, se calhar, me faria bem reler, ou não fosse, também, um livro sobre a insistência num determinado conjunto de valores éticos, e sobre o isolamento enquanto perda da rede social, dos amigos, de quase tudo. Vou, pois, reduzido-me ao mais ínfimo e mesquinho de que sou capaz, perdendo coisas e pessoas por aí, dias de sol, sorrisos, abraços, vidas. Só nunca perco os isqueiros.