segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Luanda já está a arder?


As ironias têm, muitas vezes, algo de lágrima e tragédia. Há-de, pois, ter dependido desta desencontrada circunstância o facto de ter terminado de ler Os Transparentes, de Ondjaki, no mesmo exacto dia em que o Jornal de Angola publicou aquele esgrouviado editorial em que se afirma que "as elites políticas portuguesas odeiam Angola e são a inveja em figura de gente". "Vivem rodeadas de matilhas que atacam cegamente os políticos angolanos democraticamente eleitos, com maiorias qualificadas". Parece-se o texto, no teor e no ritmo, com as falas e discursos das presidenciais e ministeriais personagens do romance, espécie de alegoria épica de uma Luanda desequilibrada e injusta, sentada num barril de petróleo e, logo, purificando-se pelo fogo.

No livro, e para limitar este texto aos assuntos mais sérios, a capital arde e colapsa num fogo vermelho-devagarinho, espécie de ensaio alegórico sobre a cegueira ao qual não falta, sequer, um cego deambulando entre as ruínas de mãos dadas com um VendedorDeConchas. A destruição ficcional de Luanda é épica, tal como resulta da construção do romance, todo armado para resultar num exercício literário absolutamente brilhante, cómico e trágico, espécie de prenúncio, ou aviso, inspirado na frase de Karl Marx segundo a qual a história se repete primeiro como tragédia e depois como farsa (se, neste caso, não for ao contrário). No livro, a senhora Ideologia falece e a cidade arde em chamas. As matilhas de Lisboa não estão presas ao telefone perguntando se Luanda já está a arder. Quando e se for caso disso, as maiorias qualificadas lá estarão para atear o fogo pelas próprias mãos: como num romance.