terça-feira, 6 de novembro de 2012

Fotografar o Outono ( e bater com o nariz na porta)


Já o escrevi em outras ocasiões, ou copiei aquilo que o Julio Cortázar escreveu, também agora não interessa nada, mas repito: fotografar é uma forma muito instrutiva de ocupar o ócio e o tempo morto (ele, o Cortázar, escreveu exactamente que, “entre as muitas formas de combater o nada, uma das melhores é tirar fotografias, actividade que deveria ensinar-se desde cedo às crianças, pois exige disciplina, educação estética, bom olhos e dedos seguros. (...) Quando se anda com a câmara há como que o dever de estar atento, de não falhar a brusca e deliciosa fulguração de um raio de sol numa velha pedra ou a corrida, de tranças no ar, de uma rapariguinha que regressa com um pão e uma garrafa de leite”; assim fica tudo às claras e, a propósito, a tradução é minha).

Por diversos motivos com que não pretendo maçar mais ninguém, recuperei nos últimos dias o gesto fotográfico. Tenho fotografado o Outono nas suas mais diversas declinações e, assim que comecei a pensar no assunto, ocorreu-me que são do Outono, de outros outonos, algumas das minhas melhores fotografias, desde o primeiro filme a preto-e-branco gasto numa Pentax MX comprada em segunda mão (um velho pedalando uma pasteleira numa rua enlameada do bairro dos pescadores de Espinho, o monte de areia que o vento arrastou para a marginal de Matosinhos...) até aos mais recentes planos fechados, captados com o gadget da moda.

No exaustivo levantamento que tenho feito do Outono falta-me ainda uma boa imagem de um dióspiro (preciso de recuperar a fotografia de uma mulher assando castanhas na Ribeira, a qual, em tempos, inspirou uma espécie de conto curto que reli há dias). Fotografei hoje um, ainda verde, último exemplar pendente da árvore de um quintal vizinho da casa dos meus pais. Mas eu queria, isso sim, fotografar os pesados e gordos dióspiros, quase rubros, que vergam os ramos dos diospireiros roxos que existem no jardim lateral da Casa das Artes. Os portões, porém, permanecem fechados ao fim de não sei quantas promessas por cumprir, impedindo o acesso e a fruição daqueles que, como eu, pagam os seus impostos e são os verdadeiros donos da casa. Quero terminar de fotografar o Outono, mas dou sempre com o nariz na porta.