quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Escola: mais um luxo que os portugueses não podem pagar


Tenho-o dito sempre que posso: devo tudo o que sou (ou que fui, talvez seja mais correcto dizê-lo assim) ao ensino público e gratuito. De outro modo, num país onde fosse necessário pagar propinas para frequentar a escola, dificilmente um neto de agricultores e operários fabris analfabetos chegaria a ter sido jornalista num ex-jornal de referência e muito menos se atreveria a essa bizarria que é querer ser escritor, à ousadia de pretender que outras pessoas o lessem, como se fosse igual aos que já nasceram filhos de algo, letrados e dotados de apelidos com mais pedigree, e, portanto, com direito a uma voz.

No ponto em que hoje me encontro, bem sei que desperdicei as oportunidades que a democracia insensatamente me concedeu. Em vez de ter sacado um canudo de economista, de engenheiro ou de advogado (mas que sei eu?), concentrei-me em tentar aprender a ler e a escrever, e a perseguir um sonho um pouco extravagante. Faltou-me sentido prático. Mas, ainda assim, e tendo em conta as circunstâncias, não me desenrasquei mal de todo nestes vinte e três anos que passaram. O meu avô, a quem me lembro de ver a afiar os lápis com uma faca, e depois a tentar escrever o nome muito devagarinho, teria podido orgulhar-se de mim, como creio que os meus pais e os meus filhos se orgulham. Se não conseguir fazer mais nada na vida, talvez isto possa valer pelo resto, pelo que não fiz e pelo que talvez já não seja capaz de fazer.

Penso que, pais e filhos, me perdoarão se não conseguir ser, daqui por diante, mais do que uma tentativa medíocre de escritor ou um arremedo falhado de jornalista. O mundo dá muitas voltas e até os sonhos mais felizes chegam ao fim. Hoje, posto no meu devido lugar e desempregado, como, às vezes, era o meu pai enquanto eu crescia, vejo que os meus netos terão, se puderem, de pagar para ir à escola e frequentar os mesmos corredores dos Pais e dos Prado, dos Reis e dos Azevedo, dos Espírito-Santo e dos Melo, dos Pinto de Sousa e dos outros todos que já nascem a ver exposições em Londres e teatro de fusão em Nova Iorque, com o Francês todo na ponta da língua e mais os nomes dos quinze maiores arquitectos de Londres perfeitamente decorados e ministrados nos respectivos biberões.

O país, evidentemente, não vai desaparecer por causa disso, nem morrerão, como diz o primeiro-ministro, os que não puderem ir para a escola e tiverem de ser caixeiros, serventes ou outra coisa qualquer assim que o Estado os devolva à sua ranhosa precedência. Já não haverá democracia, é certo. Mas esse é um luxo que, se calhar, os portugueses também não podem pagar.