sábado, 27 de outubro de 2012

Não se vendem




Texto da coluna Piolho dos Livros da revista 2 do Público, publicado no dia 21 de Outubro

Roberto Bolaño, o escritor chileno falecido em 2003, conquistou uma quantidade considerável de leitores em Portugal nos últimos anos, sobretudo depois da grande agitação mediática que rodeou o lançamento póstumo de 2666. A notoriedade então obtida permitiu que se traduzissem outros livros seus e que regressassem às livrarias os romances que se tinham publicado antes (nomeadamente o notável Os Detectives Selvagens), mas em lado nenhum se encontram os muitos contos que escreveu, distribuídos por cinco livros. Entre nós, e a menos que se seja capaz de ler em castelhano, só se pode conhecer Bolaño de uma forma incompleta e amputada, facto que, tanto quanto consigo supor, se deverá à convicção, muito arreigada entre os editores, de que o conto é um género literário que não tem adeptos em Portugal. “Os contos não se vendem” é, de resto, uma das frases mais repetidas pelos profissionais do ramo.

Aqui ao lado, em Espanha, os editores não partilham desta lamúria. Os contos publicam-se e chegam ao ponto de serem comprados e lidos pelos indivíduos que frequentam as livrarias. Llamadas telefónicas, o livro que Bolaño publicou em 1997, está, por exemplo, entre os que beneficiaram da consagração post-mortem do autor. Entre 2007 e 2010, em pouco mais de dois anos, a Anagrama fez dez edições do livro (nove das quais em formato de bolso), que ainda pode ser encontrado (e comprado) nas livrarias. Trouxe um exemplar da minha última passagem por Vigo. E, se posso dar por bem gastos quaisquer sete euros da minha vida, estes foram, decerto, dos mais bem empregues de todos.

Tal como sucede em Putas asesinas, outro dos livros de contos que Bolaño escreveu, Llamadas telefónicas permite reencontrar Arturo Belano ou Amalfitano, e viajar por outras histórias, outras personagens, paisagens, ecos. Mais importante, o livro inclui alguns momentos absolutamente luminosos da literatura do escritor chileno. São como pequenos enigmas pelos quais se entra como num labirinto de palavras, cuja saída é como um salto no vazio, amplo e panorâmico, algures entre o riso e a dor. Henry Simon Le Prince, o escritor sem talento nenhum, e Sensini, o especialista em concursos literários, são personagens inesquecíveis. Mas, de todos os contos, aquele que mais persistentemente recordo é Joanna Silvestri: um só longo parágrafo que remete para as memórias de uma ex-actriz de filmes pornográficos, internada numa clínica de Nîmes. Interrogada por um detective chileno, evoca uma viagem de trabalho a Los Angeles, onde reencontrou Jack Holmes, antiga estrela do cinema porno, já então retirado, doente, magro e decadente, peludo como um símio melancólico, pelo qual Joanna se apaixona fatal e definitivamente. “Eu sei que, de alguma forma, ainda estou na Califórnia, na minha última viagem à Califórnia”, diz. O que é uma forma de dizer que sempre se vive nos sítios onde alguma vez se foi feliz.