quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Mundo avariado


Enquanto, na semana passada, procurava o caminho para sair de Córdoba e regressar à estrada nacional que me traria a casa, reparei que várias pessoas manifestavam um interesse pouco habitual por um suporte de publicidade colocado junto ao semáforo. Havia mesmo quem fotografasse o aparato, registando o penoso momento em que a temperatura do ar atingiu os 50 graus centígrados (43 graus no tablier do carro). Eu olhei também e fotografei o termómetro, consciente de que já não faltava muito tempo para que visse a ter saudades daquele calor que me faz ter vontade de estar na rua e palmilhar os caminhos todos, para depois me sentar a beber cervejas e a pensar um pouco na vida, que podia perfeitamente ser sempre assim, amena e doce. Não foi, com efeito, preciso esperar muito tempo para que as saudades batessem forte. No dia seguinte, quando vinha pela A1 a caminho do Porto, a temperatura foi baixando (vertiginosamente) até ao 23 graus, ou perto disso. Ainda não sei qual dos termómetros está avariado, se o do carro, se o daquela esquina de Córdoba ou se o meu, mas, em todo o caso, persiste em mim a sensação de que há algo de profundamente errado na minha relação com as coisas do mundo. Ontem, por exemplo, ventava e chovia copiosamente e o Relvas e o Passos estavam na televisão a sorrir, provavelmente "com a consciência tranquila", imediatamente após as notícias sobre o desemprego e a recessão, e pouco antes de se verem vários Mercedes e Porsches transitando amenamente numa estrada dos Algarves, o que reforçou em mim a impressão desagradável de que há no mundo alguma coisa escangalhada, mas posso ser só eu, apenas uma impressão minha, pois o Relvas e o Passos estavam sorrindo, o Portas também, e, por isso, deve estar tudo bem lá fora, apesar das temperaturas baixas e das filas nos centros de emprego, das mentiras, das vigarices e dos incompetentes contumazes que irremediavelmente nos governam.