terça-feira, 13 de março de 2012

Apenas um pouco tarde, outra vez

Entregue, há duas semanas, a uma espécie de oblomovismo forçado, aproveito para ler coisas que se acumulavam à espera de vez. Ontem, com uma sesta e o jantar de permeio, mergulhei em José, a novela autobiográfica de Rubem Fonseca, a qual tem tanto de biografia como de viagem ao Rio de Janeiro de outras eras, e também literatura e sacanagem qb. Hoje iniciei Uma Abelha na Chuva, de Carlos de Oliveira, já fascinado por aquela Maria dos Prazeres autoritária e castradora, mas também "esplêndida", "de mão cheia" e o que mais se verá. Isto, claro, antes de que me fossem prescritas umas injecções subcutâneas que devo espetar todos os dias nos refegos da barriga, as quais, a juntar ao inchaço do tornozelo e às meias elásticas até ao joelho, tornam muito presente a decadência, o envelhecimento e todas as coisas que tentava adiar convocando as juvenis estultícias que a idade me ia permitindo. Olho para o saco dos medicamentos acabados de aviar, para as canadianas, para a minha perna provavelmente trombosada — e lembro-me da minha avó já morta e, outra vez, daquele poema do Manuel António Pina que diz qualquer coisa como "ainda não é o fim nem o princípio do mundo, calma é apenas um pouco tarde". Talvez seja a altura certa, enfim, para fazer uma lista das coisas que ainda não fiz mas que devia fazer antes de que, um dia destes, o tempo se me acabe; coisas como ir ver os morros do Rio de Janeiro e tomar a bebedeira dos néons de Tóquio, mergulhar no mar à noite e outras palermices assim.