segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Reis do Carnaval*



Coitadinha da democracia. Assim que a apanham doente, fraca, em dificuldades, aproveitam logo para fazer circular um manifesto reclamando o regresso da monarquia. Propõem-nos, no essencial, trocar um bibelô eleito pelas pessoas, de cinco em cinco anos, por um adereço extravagante que ninguém escolheu e cujo bisneto seria rei mesmo que fosse um pouco atrasado mental. Ainda que não fizesse muita diferença, a diferença seria, em todo o caso, fundamental. O facto de o primeiro automóvel a circular em Portugal ter sido um Panhard et Levassor não obrigou nenhum dos portugueses a viver para todo o sempre com carros daquela marca – hoje, de resto, tão extinta como a monarquia portuguesa.

Estive a dar uma espreitadela no referido manifesto e constatei que, entre aqueles que apoiam a causa real, a opinião mais comum consiste em variações da frase segundo a qual “a pátria necessita de um rei”. É uma convicção tão válida como qualquer outra. Ainda deve, aliás, haver quem considere que a ditadura do proletariado seria a solução para todos os nossos males. Alguns, mais extravagantes, têm o direito de defender que Portugal necessita de uma epidemia de febre-amarela. Outros devem ter a certeza absoluta de que são uma reencarnação do Napoleão Bonaparte. Eu, por exemplo, tenho às vezes a sensação de que o país poderia perfeitamente ser governado pelo Rei dos Frangos, a empresa sediada em Leiria que tem 17 lojas “distribuídas entre Coimbra e o Montijo”, conseguiu internacionalizar-se e já abriu duas churrascarias em Madrid. Talvez até vendam pastéis de nata.

Curiosamente, não encontrei, entre os monárquicos subscritores do manifesto, nenhum defensor do rei do carnaval. É pena. Trata-se de um monarca simpático, relativamente divertido e um pouco menos decorativo do que o príncipe do Mónaco (e mais confiável, já agora, do que o duque de Palma de Maiorca). Li, por exemplo, o discurso do Rei do Carnaval de Ovar deste ano e vi-me obrigado a concordar com a promessa de “mandar emigrar ministros, secretários e sub-secretários de Estado, deputados, gestores públicos e afins”. Acresce que o monarca folião também é capaz de versejar (como D. Dinis). É da sua lavra, por exemplo, a justa quadrinha que diz assim: “Em Lisboa há paus mandados/a brincarem c’os Entrudos/mas já ‘tão desmascarados/ninguém quer tais cabeçudos”. Infelizmente, porém, esta sábia criatura acha-se ameaçada de extinção pela ingente necessidade de transformar Portugal numa economia tão competitiva como a das Filipinas.

É de todo inconveniente, num país austero, que o Carnaval tenha três dias. Elimina-se, pois, a tolerância de ponto e, com alguma sorte, destrói-se também a actividade económica gerada pelos festejos que, para os mais variados gostos, decorrem de Lazarim a Loulé. O costume. A única coisa realmente surpreendente é que, em Torres Vedras, o desfile de Carnaval continue a incluir cabeçudos com as caras dos (sisudos) senhores que nos governam. Não têm graça nenhuma. Até dão vontade de chorar.

*Crónica publicada no P2 do Público, no dia 7 de Fevereiro de 2012