segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Um plano C para 2012*



Embirro muitíssimo com o pessimismo e o tom lamuriento que por aí estão instalados. Não estamos condenados a ter que escolher entre emigrar ou ficar por cá e aguentar os confiscos todos que ainda possam perpetrar-se contra quem vive dessa actividade paleolítica que é o trabalho. Os tempos, dizem os sábios, serão difíceis, mas também férteis em oportunidades vastas e gloriosas como enormes pradarias. Tudo vai de ser ambicioso e arrojado – empreendedor. E escusam de vir dizer que nem toda a gente está apetrechada para especular, roubar e viver do esforço alheio, pois até um país desqualificado como o nosso oferece condições espectaculares para que outros grandes talentos frutifiquem.

Estou empenhadíssimo, por exemplo, em tirar partido da mudança legislativa que permitirá ao senhor ministro das polícias autorizar a instalação de sistemas de videovigilância do espaço público sem prévia análise da Comissão Nacional de Protecção de Dados. Poderia, é bem certo, dedicar-me à laboriosa montagem dos equipamentos necessários à plena segurança dos cidadãos, mas essa é uma actividade que exige trabalho e competências técnicas que não tenho. Planeio, isso sim, aproveitar a futura massificação dos meios de captação e transmissão de imagens para iniciar uma fulgurante carreira dramatúrgica, executando pequenos números de comédia física que hão-de, primeiro, divertir os agentes da autoridade responsáveis pelo visionamento das imagens das nossas ruas e praças, e, depois, espantar o país de alto a baixo.

Como toda a gente sabe, as imagens captadas pelas câmaras de videovigilância são normalmente transmitidas sem som e com uma velocidade que confere às cenas um ambiente de desenho animado. Os protagonistas parecem mover-se e deslocar-se com lapsos, como se fossem capazes de ir do ponto A ao ponto B sem passarem pelos planos intermédios. Esta característica parece-me ideal para o desenvolvimento de um método de representação que seja herdeiro do humor mudo de Buster Keaton e, ao mesmo tempo, concorrente dos melhores filmes de acção.

Imagine-se, então, um assalto, um acidente de trânsito ou uma simples altercação na via pública. Nessa altura, e com todas as atenções dos senhores agentes de videovigilância voltadas para o local do incidente, bastar-me-á surgir na imagem e assombrar o mundo com uma interpretação muito vívida de um personagem totalmente deslocado da realidade, movendo-me de modo extravagante e expressionista, ora dançando, ora tentando trepar paredes ou girando em volta dos postes de iluminação. Usarei um fato completo, com gravata borboleta, e um chapelinho de palha da Madeira, e estou já a treinar um passo muito elaborado e absurdo, a meio caminho entre a contenção dramática de Chaplin e a expressividade de um Vítor Gaspar (com uma pitada do ministro dos passos patéticos dos Monty Python). Para o pleno sucesso do meu plano C, só preciso de que as minhas prestações se tornem virais na internet e eu seja contratado para campanhas publicitárias na televisão. Venha, pois, 2012.


*Crónica publicada no P2 do Público, no dia 27 de Dezembro de 2011