sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Impulso cívico e consciência de classe

Há-de, certamente, haver um teste psicotécnico que inclua uma situação parecida com aquela que me proponho relatar. E, se não há, devia haver.

Pois imagine-se que um caralhinho qualquer vai a correr por uma vereda, entre árvores, e que, lá de cima, assiste a um assalto que se está praticando na via pública, vários metros abaixo. A primeira coisa que lhe ocorre é um impulso cívico: fazer alguma coisa para deter o meliante. O caralhinho, porém, é um pouco cobarde, não tem cabedal para levar dois estalos e, além disso, o larápio está ao fundo de uma vereda muito inclinada.

O caralhinho, estando a correr, também não tem consigo um telemóvel para alertar a polícia. Ocorre-lhe, ainda assim, a possibilidade de encontrar, ali perto, um agente da autoridade, ao qual alertará para o facto de o vidro de um BMW X não sei quê ter sido partido por um indivíduo assim e assim, o qual se apossou de um saco que estava no interior da viatura.

Ao fim de meia hora correndo, o caralhinho não encontra, porém, nenhum agente da autoridade, uma vez que a dita autoridade havia de estar em peso cuidando da boa ordem da demolição de um bairro de desgraçados para que lá seja construído um bairro de gente rica, no qual, daqui a alguns anos, o proprietário do BMW X não sei quê pode vir a morar, contemplando o rio aos seus pés e já esquecido da merda da saca e do vidro que lhe partiram, pois haverá sempre quem, por fraca retribuição, produza o suficiente para pagar a porra de um vidro partido no carro do patrão.

O caralhinho, correndo, resolve mas é ir tomar banho e esquecer o assalto. Sabe que não é um exemplo de consciência cívica, mas nada lhe garante que o dono do BMW X coiso não seja um cabrão capitalista que nem sequer saiba o que seja ter uma consciência.

Não há-de ser nada. Está tudo bem. Há, afinal, animais muito merdosos que conseguem sobreviver na selva.