segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Vemo-nos em Ourique*


Ouvi Pedro Passos Coelho declarar que “vivemos momentos da maior gravidade” e já não fui capaz de me conter: acabei o copo de vinho de uma golada, atirei com o jantar para o chão, disse à Blendina que se escondesse com os garotos debaixo da mesa e até tinha posto o capacete da motorizada e agarrado na esfregona – em pose de padeira de Aljubarrota, para o que desse e viesse e nenhum alienígena por ali passasse sem levar ao menos uma bordoada –, quando percebi que, afinal, se tratava só da conversa do costume: predispor-nos para a necessidade de continuar a dar palha ao insaciável animal das praças financeiras.

Apesar da pose martirizada e do ar grave do senhor presidente do conselho de ministros, entendi, logo à segunda frase do discurso, que ali vinha mais uma longa dissertação versando o “estrangulamento financeiro da nossa economia” - e toma lá outra rodada de más notícias, que para isso temos nós as costas largas. Não fiquei particularmente aliviado, ainda assim, por saber que não tinha sido declarada a guerra dos mundos nem os marcianos estavam para aterrar na minha varanda carregados de pérfidas intenções. Houve um momento, aliás, em que desejei a chegada dos venusianos ou de outro bicho qualquer que nos livrasse, senhores, de todo o mal. E logo a seguir, mais racionalmente, ocorreu-me que não me parecia lá muito avisado usar a palavra “estrangulamento” num discurso assim. Um indivíduo ouve aquilo e põe-se logo com ideias ruins.

Já mais calmo, fui pousar a esfregona e, posto perante as desagradáveis novidades que o presidente do conselho anunciava, entendi tomar providências. Eu tinha lido, no dia anterior, a notícia sobre uma cápsula de fibra de vidro em amarelo berrante, inventada por uma empresa japonesa e destinada a proteger os cidadãos em caso de tsunami. Chamam-lhe, parece, Noé, numa alusão à arca do Velho Testamento, e tem espaço, no seu interior, para acomodar quatro pessoas e alguns víveres, com uma escotilha e dois orifícios para ventilação. Pensei, pois, que se a bolha japonesa aguenta a violência de um tsunami, há-de suportar também a gigantesca “onda de austeridade” que aí vem. Planeio, portanto, viver, agora sim, um pouco acima das minhas possibilidades e encomendar duas ou três cápsulas à Cosmo Power.

Se os meus cálculos estiverem certos, posso finalmente aproveitar a oferta de um banco que regularmente me telefona anunciando que disponho de crédito pré-aprovado. Poderei, assim, pagar a primeira prestação das cápsulas e meter-me lá dentro com a família toda, mais os gatos e uma cabra que temos na varanda (satisfeitíssima e sorridente), e aguardar calmamente que a crise passe. Já não espero grande coisa de 2012 e creio até que podemos bem passar sem os jogos do Europeu de Futebol. Mas, francamente, estamos muito empenhados, lá em casa, em chegarmos vivos a 2013, quando Ourique estiver engalanada para acolher o VII Congresso Mundial do Presunto. É essencial manter o optimismo: se o dinheiro não chegar para a gasolina, vamos de bolha.

*Crónica publicada no P2 do Público, no dia 18 de Outubro de 2011