segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Escrito nas estrelas*



É preciso acabar com esta pouca vergonha. Em menos de dois meses, as pessoas que se dedicam profissionalmente à tarefa de observar o universo anunciaram nos jornais a ocorrência de copiosas chuvas de estrelas. Todavia, nem a 13 de Agosto se viram as prometidas Perseidas que haviam de cruzar os céus num festivo fogo-de-artifício, nem no fim-de-semana passado as multidões insones que ficaram perscrutando o firmamento nocturno conseguiram vislumbrar o que quer que fosse dos rastos incandescentes do cometa Giacobini-Zinner. Havia de ser, também desta vez, um espantoso fenómeno visível a olho nu, uma chuva de fulgurantes dracónidas, mas, afinal, não se viu coisa nenhuma. Há indivíduos que reclamam ter visto traços de luz esporádicos no céu, mas deviam ser aviões. Ou pirilampos muito atrevidos e dados à paródia.

Após cada um dos desaires, os cientistas atribuíram o fracasso do espectáculo celeste ao brilho da lua cheia, fazendo lembrar bastante a atitude adoptada pelos benfiquistas de cada vez que perdem um campeonato (tenho quase a certeza de que os astrónomos crêem igualmente que a próxima chuva de estrelas correrá muito melhor do que esta). Por outro lado, estes farsantes também se parecem muito com os políticos: são mantidos pelo erário público, raramente se pode acreditar naquilo que prometem e não primam pela competência. Que crédito, afinal, deve ser tributado a alguém que diz ser capaz de prever uma chuva de estrelas mas não consegue perceber que está lua cheia? Não admira, assim, que os astrónomos sejam frequentemente confundidos com os astrólogos da bola de cristal; e que ninguém consiga levar muito a sério as descobertas que afirmam fazer.

Ainda há quinze dias, por exemplo, se anunciou que os neutrinos são capazes de viajar a 299.798 quilómetros por segundo, superando a velocidade da luz (299.792 quilómetros por segundo), que se acreditava ser a coisa mais rápida e a única constante de todo o universo. O que devemos fazer? Acreditamos nos astrónomos e mergulhamos na incerteza absoluta da relatividade, imaginando mesmo que o céu nos pode cair ainda hoje sobre a cabeça? Ou encolhemos os ombros o mais indiferentemente que formos capazes, assobiamos para o lado e pensamos alguma coisa como: “Lá estão os maluquinhos das chuvas de estrelas a ver se nos estragam um dia tão catita”?

Custa-me muito colocar assim em causa a dignidade de outros profissionais, mas é evidente que os astrónomos não servem para nada. Se, como escreveu Fernando Pessoa, “o sol doira sem literatura”, os astros parecem também perfeitamente capazes de se aguentarem lá em cima sem os cálculos complicados dos astrofísicos e de outros charlatães. A Bélgica, por exemplo, está há 483 dias sem governo e parece que as coisas nem sequer têm corrido mal. Ainda não abriram brechas no chão, nem começaram a chover gafanhotos. Agora que já há acordo para a formação de um executivo, anunciam, porém, que vão salvar um banco da falência – apesar de qualquer leigo ser capaz de ver que a lua está cheia.

*Crónica publicada no P2 do Público, no dia 11 de Outubro de 2011