segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Churrasco cancelado*



Dotado, como sou, de um espírito empedernido e bruto, não fico indiferente, apesar de tudo, ao dramatismo lancinante de certas situações. Às vezes comovo-me muitíssimo e creio que chego a ser acometido da católica compaixão de que os curas falam nas homilias a favor dos pobrezinhos. Se até as pedras da calçada se arrepiam e choram com o drama do Governo Regional da Madeira, desbaratando notas de euro para resistir à malévola opressão do cont’nente, como poderia eu não verter uma lágrima, ao menos, pelo excruciante sofrimento dos senhores administradores da Galp Energia? Flagelado de cada vez que tenho que meter gasolina, posso bem imaginar o que hão-de padecer esses bons homens que, afinal, estão a sofrer muito mais do que nós, os consumidores, conforme assegurou, na semana passada, Manuel Ferreira de Oliveira, o presidente executivo da referida ordem penitente.

Os Ferreira de Oliveira hão-de ter os corpos cobertos de chagas e pústulas, e dores atrozes de cada vez que fazem variar (normalmente para cima) os preços dos combustíveis. Para se ter uma ideia do que sofrem, e de quão grande pode ser o seu martírio, basta ver que, em 2010, os lucros da empresa aumentaram 43% e chegaram aos 306 milhões de euros. Por isto se chicoteiam os senhores administradores, e se arrastam nus no chão frio de granito, de tal modo que só não se compadece deles quem não tenha coração. Chega a ser pura maldade, aliás, que cada vez mais portugueses prefiram poupar um vil punhado de cêntimos abastecendo-se em Espanha ou em circuitos alternativos, aparentemente indiferentes ao doloroso opróbrio dos Ferreira de Oliveira. Mas chega. Urge que nos reconciliemos com aqueles que sofrem muitíssimo para que o consumidor ingrato possa padecer um bocadinho menos.

Foi pensando nisto, e na injustiça de que tenho sido conivente, que me ocorreu seguir o exemplo do treinador José Mourinho, o qual, para fortalecer o espírito de grupo entre os jogadores do Real Madrid, promoveu recentemente uma providencial churrascada. Mourinho, afinal, tem aparecido por aí com uma pulseirinha de um banco mártir, anunciando o “orgulho em ser português” e convidando-nos subliminarmente a sofrer com ele e com os Ferreira de Oliveira da entidade bancária em apreço. Insensato, cogitei, pois, convocar também um grande barbecue nacional com transmissão televisiva e actuação de Tony Carreira, no qual se desagravariam todos os que têm padecido por nós. Desisti, porém, no exacto momento em que recordei o nosso bem-amado primeiro-ministro precatando-nos contra aqueles que, maléficos, pensam que “podem incendiar as ruas” e mergulhar o país no tumulto. Não há, com efeito, nada mais parecido com o incêndio das ruas do que um grande churrasco na via pública – e a última coisa que pretendo é dar azo a mal-entendidos ou facilitar a vida aos torpes, fornecendo-lhes de mão beijada as brasas do meu churrasco. Limitemo-nos, pois, a aprender com o exemplo de sacrifício dos nossos melhores gestores. Soframos com dignidade, e em silêncio, os sacrifícios que estão para vir.

*Crónica publicada no P2 do Público, no dia 4 de Outubro de 2011