segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O fim da crise*



Existem no mundo, parece, 22 cópias da célebre escultura O Pensador, de Auguste Rodin, cujo original pode ser visto em Paris. A réplica que está instalada da Praça dos Congressos de Buenos Aires foi vandalizada na semana passada. Alguém lá pintou uma frase profetizando que o mundo terminará em 2012 – um acto que, para além de criminoso, revela uma evidente má vontade, quanto mais não seja porque Pedro Passos Coelho tinha preparado para o fim-de-semana uma comunicação garantindo que a crise que nos tem castigado terminará também em 2012. Sendo relativamente imune a profecias, desta vez inquietei-me um pouco: espero que não seja preciso acabar-se o mundo para, desse modo, terminarem também as nossas aflições orçamentais.

Tenho assistido, com a tranquilidade possível, à curiosa competição a que se têm dedicado vários membros do governo, empenhados que estão em não deixar passar um só dia sem anunciar um novo aumento dos impostos, um novo corte nisto ou naquilo, mais um golpe no orçamento dos portugueses e nos serviços públicos que os nossos impostos deviam sustentar. Hoje é o IVA, amanhã é o IRS, depois é mais uma contribuição extraordinária, o IRS outra vez, o IMI, as deduções fiscais com a educação e a saúde, numa sucessão aparentemente infindável de más notícias ao sabor das “condicionantes externas” e dos juros que os mercados queiram cobrar. Mas, mesmo dando de barato que a hiperbólica arrecadação de impostos em curso contribuirá para acabar com a “emergência nacional”, resolvendo o problema das contas públicas do país, temo bem que as contas privadas não vão ficar em muito bom estado e que o problema se limitará a transitar dos cofres do Estado para o bolso de cada um dos portugueses.

A trepidante sucessão dos anúncios do governo vai, por isso, adensando um certo clima de desgraça iminente, reproduzindo o encadeamento narrativo dos filmes-catástrofe produzidos em Hollywood: de cada vez que um governante aparece na televisão, encarecem as coisas de que necessitamos para ir vivendo (pão, leite, carne, manteiga, ovos, frutas, cuidados de saúde, arroz, luz, transportes e assim) e os nossos ordenados vão ficando mais minguados e esqueléticos, no osso, famélicos, ao ponto de quase parecer possível que o nosso 2012 venha a transformar-se numa espécie de pacato armagedão, numa agonia lenta. Passaremos a viver apenas alguns dias por mês, pagando as contas que for possível. No resto do tempo ficaremos sentados como estátuas, ensimesmados a pensar onde vamos arranjar dinheiro para comer nos dias que faltam até ao próximo ordenado. Tanto quanto consigo imaginar, vamos transformar-nos em figuras bestialmente parecidas com O Pensador de Rodin. Estaremos um pouco mais magros, é certo, mas igualmente despidos e com a cara melancolicamente enfiada no punho, apenas à espera de que, como em Buenos Aires, alguém venha escrever em nós um grafito que finalmente ateste que o mundo, ou a crise, chegaram ao fim.

*Crónica publicada no P2 do Público, no dia 6 de Setembro de 2011