sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Morna di bai

(crónica da coluna "Crioulizado" desta quinzena para o jornal A Nação, de Cabo Verde)


© Teatro Anatómico 2005 (Tarrafal de Santiago)

Ainda me recordo bem da emoção que senti quando, há um ano atrás, escrevi a minha primeira crónica para esta coluna, espécie de declaração de amor a um país que não é o meu mas que também é o meu, na exacta medida em que creio que um homem pode escolher as nações a que pertence e que lhe pertencem, a despeito das leis e dos governos, das burocracias e das fronteiras, dos ódios e das raças. Agora que penso nisso, parece-me, na verdade, que todas as crónicas que aqui escrevi foram apenas isso mesmo, declarações de amor dispersas e lançadas ao mar como mensagens presas dentro de garrafas vazias. Esperei secretamente que cada uma das garrafas fosse flutuando por este mar fora, incertas e velozes, cobrindo a distância que há entre a foz do Douro e qualquer uma das praias ou das arribas das ilhas que aí estão, e acabassem achando, desse lado, um par de mãos que as recolhessem, um par de olhos que lessem os bilhetes de amor que levavam dentro.

Passou um ano e pareceu quase tempo nenhum e muito tempo. Não há, se calhar, coisa mais relativa do que o tempo, tantas são as formas que temos de medi-lo e de pesá-lo, de armazená-lo dentro de nós e de construir com eles eras só nossas. Passaram cinco anos e meio desde que descobri Cabo Verde, cinco anos desde que tive a certeza de que também sou daí, crioulo por dentro, crioulo mesmo, por ser essencialmente o resultado de muitas misturas, das que me precederam e ficaram diluídas no sangue e das que eu escolhi depois que me foi dado decidir sobre estas coisas.

Cinco anos é, aparentemente, mais tempo do que um ano, mas pode não ser tempo nenhum. Há cinco anos descobri Cabo Verde, que sou também um pouco de Cabo Verde, das mornas do Humbertona e do Eugénio Tavares, do desamparinho de Santo Antão, do vento do Mindelo quando chega o Outono e da areia negra de Quebra Canela. Há um ano comecei a escrever neste espaço, a dar livre curso a estas coisas que se me foram metendo dentro e passando a fazer parte de mim. Foi muito tempo e não é tempo nenhum. Eu mudei e sou o mesmo, nem melhor nem pior, apenas diferente e igual neste meu jeito de dizer que te gosto, Cabo Verde, que sou daí, e que esta distância, às vezes, faz doer o peito e querer voltar, a tal da saudade que é só nossa, mas que, calhando, talvez seja melhor amar-te à distância e em silêncio - coisa só minha.