segunda-feira, 14 de junho de 2010

Partir a louça toda

(Crónica publicada no P2 do Público, no dia 18 de Maio de 2010. Amanhã, como todas as terças-feiras, há mais)



Um estudo feito pela Madison University, do Winsconsin, incidindo sobre crianças com idades compreendidas entre os sete e os doze anos, concluiu que a ansiedade produzida por problemas de matemática particularmente difíceis de resolver pode ser reduzida com um simples telefonema para a mãe. O segredo está, parece, numa hormona, a oxitocina, que o organismo produz durante esse contacto tranquilizador. Mais impressionante: a quantidade de oxitocina libertada durante o telefonema é igual à que se produz quando a mãe abraça a criança. “A voz da mãe, ao telefone, funciona como um abraço verdadeiro”, concluíram os pesquisadores.

Confrontados com as medidas de austeridade anunciadas pelo Governo e com as complexas contas que, por isso, vão ter que fazer à vida, os adultos portugueses parecem ter que recorrer a terapias mais radicais para combater a ansiedade. Em Lisboa, uma iniciativa que permitia partir pratos contra uma parede para reduzir o stress transformou-se num sucesso instantâneo. Em poucos dias, segundo informou o Diário de Notícias, esgotou-se o stock de cinco mil pratos e os organizadores tiveram que fazer uma nova encomenda, o que, em tempo de crise, pode significar um impulso de grande importância para a indústria cerâmica nacional (ou para o que dela tiver sobrado).

Foi, pois, com sincera preocupação que li as declarações de uma cliente defraudada pela ruptura do stock de pratos. Dizia ela que a situação é “muito desagradável”, o que se compreende perfeitamente à luz do anunciado aumento dos impostos, dos preços e da incontornável necessidade de combater a ansiedade que tais circunstâncias provocam. Mas, pior do que isto, a mulher lamentava, isso sim, que não se tivessem avisado as pessoas de que os pratos tinham acabado. Imaginei-a, pois, à beira de um ataque de nervos, já um pouco desorbitada e exigindo que a deixassem partir um prato que fosse, ou um pires, ao menos. Movido pela compaixão, pensei despachar para Lisboa o que resta de um serviço de louça que já não uso ou até as garrafas vazias que tinha destinado à reciclagem - qualquer coisa, enfim, que pudesse ajudar a atalhar o stress e a ansiedade dos lisboetas, e a evitar, eu sei lá, que, tomados pelos nervos, se lembrem de fazer greves e manifestações violentas como na Grécia, apenas para terem um pretexto para quebrar tudo o que lhes apareça pela frente.

Tudo isto, devo confessar, acabou por me perturbar um pouco, ao ponto de ter sido acometido pela vontade de partir a louça toda. Em alternativa, ponderei deslocar-me à capital durante o fim-de-semana para beneficiar das vantagens terapêuticas da nova remessa de pratos. Consultei os horários dos comboios e cheguei a meter cuecas e meias numa mala, mas, afinal, não fiz a viagem. Lembrei-me que, ao domingo, a minha mãe costuma fazer cozido à portuguesa, o que sempre me acalma bastante, como se fosse um abraço. Recuperei, assim, o bom senso e a tranquilidade. Parti algumas garrafas vazias no contentor da reciclagem e agora estou bem, obrigado.