segunda-feira, 17 de maio de 2010

Hoppipolla

(Crónica publicada no P2 do Público, no dia 27 de Abril de 2010. Amanhã, como todas as terças-feiras, há mais)



Se o FBI não tiver feito questão de me estragar a crónica, geezer bandit, o ladrão velhote, continua à solta algures nos Estados Unidos, depois de ter assaltado sete bancos na área de San Diego, na Califórnia. O último roubo aconteceu há precisamente uma semana e os jornais estrangeiros estão cheios de fotografias do geriátrico meliante: tem o cabelo branco, o rosto enrugado, e usa boinas ou bonés e óculos muito graduados. Chega ao banco como se tivesse todo o tempo do mundo, pede para trocar duas notas de vinte dólares e, depois, mostra aos funcionários um revólver e uma nota explicando que aquilo é um assalto. Mete o dinheiro roubado entre as páginas de uma agenda e sai do banco com tanta descontracção que só lhe falta acenar para as câmaras de videovigilância.

As autoridades estimam que o intrépido idoso tenha cerca de 70 anos e o Village Voice escreveu mesmo que o ladrão velhote confere uma certa doçura ao roubo de bancos – como se os melancólicos vieux da célebre canção de Jacques Brel tivessem resolvido divertir-se e agora aproveitassem a reforma para imitar Bonnie & Clyde, a mítica dupla de assaltantes a bancos. Imagino, pois, a esposa do ladrão velhote esperando-o à porta dos bancos assaltados, mantendo o motor do Buick Super Eight de 1948 a trabalhar, arrancando lentamente quando o marido regressa ao carro e conduzindo depois muito devagar, com o nariz quase colado ao pára-brisas.

Penso no geezer bandit e imediatamente me ocorre o teledisco de Hoppipolla, uma das mais conhecidas canções dos islandeses Sigur Rós. Aí, dois grupos rivais de velhotes andam pelas ruas de uma cidade tocando às campainhas das casas, fazendo graffiti, rebentando bombas de Carnaval, namoriscando, saltando nas poças de água das últimas chuvas, fazendo guerras com espadas de madeira e roubando coisas das prateleiras dos supermercados.

É enternecedor ver como esses velhos levam à letra o lugar-comum segundo o qual a terceira idade é uma espécie de regresso à infância e à sua inocente malandragem. Não é difícil imaginar o ladrão velhote e a sua imaginária esposa entre esses idosos nórdicos, um pouco mais baixos e com um ar mais traquina, conspirando secretamente para levarem por diante a brincadeira um pouco mais séria e arriscada que é assaltar bancos para, depois, fugirem pachorrentamente com a merenda no banco de trás do Buick. Enquanto o Village Voice grita “foge, geezer bandit, foge!”, Bill & Thelma (nomes fictícios) estacionam junto de um parque público e fazem um piquenique demorado, sorrindo amenamente enquanto se debatem para conseguirem mastigar as sandes de carne assada com as dentaduras postiças.

Imagino-me, pois, no lugar do geezer bandit, piquenicando à beira da estrada e dando voltas ao miolo para encontrar uma forma de gastar o dinheiro roubado. Thelma deitaria a cabeça nevada no meu colo, indiferente ao padecimento das artroses, e sorriria de uma forma que evocaria o seu riso de há cinquenta anos. Creio que seríamos felizes – como os velhos de Hoppipolla.