sexta-feira, 16 de abril de 2010

O presidente no país de Kafka



A vida é uma infinita possibilidade, está certo, mas nem ao mais imaginativo funcionário do serviço de protocolo da Casa Civil tinha ocorrido uma coisa assim.

Certo dia, o presidente da república decidiu visitar um país estrangeiro. Nada indicava que não se trataria de uma normalíssima visita de cortesia, destinada a aprofundar os laços de amizade entre os povos e impulsionar algum eventual negócio. Encheu-se, por isso, um avião de empresários e de outros membros da sociedade civil, embora em parte nenhuma se avistasse o povo cuja amizade devia ser aprofundada. Adiante.

A visita fez-se, o país estrangeiro foi percorrido e louvado pelo presidente da república, que inclusivamente se entregou à maçada de visitar museus e escutar música erudita. Na hora de regressar, porém, o espaço aéreo do país estrangeiro foi encerrado à circulação de aeronaves, por força de uma suposta nuvem maligna e sulfurosa que vinha soprando sobre o continente a partir do vulcão de Eyjafjallajokull (nome não fictício).

Nas televisões, os jornalistas anunciavam que a comitiva presidencial se encontrava retida, presa, impossibilitada de regressar à pátria. Os dias, entretanto, passavam sem que a nuvem maligna se dissipasse e sem que a circulação aérea fosse reposta, até que, várias semanas depois, poucas pessoas eram ainda capazes de se recordarem do que ali tinham ido fazer. O próprio presidente tinha desaparecido. Não voltara a ser visto desde a tarde em que pronunciara a enigmática frase

- Maria, parece que vamos ter que procurar um banco de jardim.

Quando, enfim, alguém se lembrou de procurar o presidente na suite do hotel, não havia nenhum sinal da sua presença. Parecia, na verdade, que o mais alto magistrado se tinha evaporado no ar ou que, pior do que isso, se tinha transformado num insecto qualquer – talvez esse mesmo que acabou de ser pisado pelos repórteres que se estão atropelando para anunciar o trágico (e misterioso) desaparecimento.