sábado, 13 de fevereiro de 2010

De manhã

Havia, esta manhã, um homem dormindo na porta do prédio. Supus, na verdade, que aquilo fosse um homem: um par de pernas dobradas, os pés calçados, saindo de uma caixa de cartão. Não fui ver. Aquilo que, pelo que se via e podia imaginar, devia ser um homem dentro de uma caixa (a qual mantinha os ângulos rectos e o seu aspecto de caixa – não estava amassada nem tinha sido transformada numa espécie de cobertor), não se mexeu quando saí do prédio. Tinha as pernas cuidadosamente dobradas de modo a não obstruir completamente a porta. Pude sair perfeitamente do edifício, incomodado apenas pela desagradável visão matinal de um homem dormindo dentro de uma caixa na porta de casa. A porta fez barulho a abrir-se e um estrondo ainda maior quando se fechou, mas o homem não se mexeu. Ocorre-me que possa ter morrido de frio, convenientemente empacotado. Mas não fui ver. Não quis acordá-lo.