sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Bilan e o zepelim

(crónica da coluna "Crioulizado" desta quinzena para o jornal A Nação, de Cabo Verde)



Cruzei-me há dias com o Bilan numa esquina do Porto. Ele não me reconheceu, mas cumprimentei-o na mesma, quanto mais não fosse em nome da necessidade de festejar as belas coincidências: eu vinha a escutar a música da Cesária Évora e o Bilan é um músico do Mindelo que há alguns anos se fixou na minha cidade. Conheci-o através de outro sampadjudo que virou tripeiro, o meu amigo e actor Flávio Hamilton, cujo nome tive que invocar para que o Bilan não me tomasse por um excêntrico que anda pelas ruas saudando gente que não conhece de parte nenhuma.

O Bilan, se o não conhecem, é um músico jovem e promissor, que compõe canções contemporâneas nas quais a morna e a bossa nova se enleiam harmoniosamente. Canta em crioulo, o que é um risco considerável, tendo em conta que a sua música não é imediatamente identificável como um produto da world music, mas já o ouvi ser entrevistado no Planeta 3, um programa da Rádio Antena 3 que é uma referência para os apreciadores das sonoridades mais étnicas. Mário Lopes, um dos críticos musicais do jornal Público, chamou-lhe “um tradicionalista renovador”, dotado de uma sensibilidade musical que “prenuncia um futuro muito interessante”.

Mais do que a música, porém, interessam-me as belas coincidências. Depois de ter cumprimentado o Bilan na rua, ocorreu-me que não conhecia quase nada da música dele e, por isso, pus-me à procura com a ajuda do Google. Encontrei fotografias e sons, claro, sites e imagens de concertos, mas acabei por encontrar também uma reprodução da capa do primeiro CD do Bilan: uma espécie de colagem de fotos e recortes sobre uma fotografia antiga, na qual se vê um zepelim pairando sobre o Ilhéu dos Pássaros, no mar do Mindelo.

Conheço bem essa imagem: tenho-a no desktop do computador há mais de dois anos e usei-a como inspiração para um dos episódios ficcionais do romance As Sereias do Mindelo. Cheguei a propor que essa fotografia figurasse na capa do livro, de tal modo me sugestionou – não sei se As Sereias do Mindelo existiria sem a personagem de Irene recordando o passado na solêra di porta, mas tenho a certeza de que não teria inventado Irene sem essa fotografia.

Na próxima vez que encontrar o Bilan na esquina junto à casa onde ensaia as suas canções, talvez possamos cumprimentar-nos outra vez e conversar, agora, sobre a bela coincidência de gostarmos ambos desse zepelim pairando diante da Laginha.