sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Mais perto de Cabo Verde

(crónica da coluna "Crioulizado" desta quinzena para o jornal A Nação, de Cabo Verde)

Estou, desde há dias, um pouco mais perto de Cabo Verde. O jornal em que trabalho mudou de instalações e, agora, passo o tempo entre o sítio onde fica o consulado, na Rua da Boavista, junto à casa da minha amiga Yasmin (uma mindelense que estuda Ciências do Mar no Instituto Abel Salazar), e a pequena rua perto da Praça dos Leões onde se esconde o Novo Ambiente, o restaurante de nha Iva aonde vou quando apertam as saudades e me apetece comer a catchupa guisod com ovo ou beber um grogue de Santo Antão.

Adquiri também, na mesma altura, um minúsculo ipod shuffle, no qual tenho guardadas, entre outras sonoridades de várias partes do mundo, algumas dezenas de músicas de Cabo Verde - de Ildo Lobo, Bau, Tito Paris, Cesária Évora, Orlando Pantera, Mayra Andrade... -, a maior parte das quais me chegaram num CD gravado na cidade da Praia (obrigado, Lágida). É, por isso, frequente que, no percurso a pé entre a Praça da República e a Praça Coronel Pacheco, venha escutando morninhas bem sab e cruzando-me com cabo-verdianos que por aqui andam na sua vida, indo e vindo por essa rua antiga e degradada, de passeios estreitos e prédios desfazendo-se.

Às vezes chove e a ruinosa melancolia deste sítio é ainda maior, mais aguda, mas, não sei porquê, a chuva não chega, nestes momentos, a incomodar-me demasiado. Caminho com o guarda-chuva aberto e os sons de Cabo Verde instalados na cabeça e talvez tenha presente no inconsciente a morna e benfazeja tchuba das ilhas, o quanto é desejado, aí, aquilo que aqui temos com tanta fartura. Não me incomodo, dizia, e chego ao jornal como se nada fosse, tamborilando com os dedos ao ritmo das mornas e dos batukus, dos funanas.

Penso nisto e, na verdade, julgo que devia, isso sim, encontrar, para os livros, algo que me permitisse vir assim pondo as leituras em dia, lendo os romances que se acumulam em pilhas inegociáveis. O caos do quotidiano ainda não me permitiu ler, por exemplo, mais do que uma pequeníssima parte do livro ainda inédito que o Abraão Vicente, nha irmon badiu, me enviou já em Abril do ano passado, pelo que está ainda em espera, também, esse arquivo em pdf que guarda mais um pedaço, creio, da escrita luminosa e depuradíssima do Filinto Elísio, agora no seu Agaton. Peço desculpa a ambos, evidentemente. Um dia chego lá.