sábado, 16 de janeiro de 2010

Instruções para caçar o mirmecoleão (cont.)

Eu vi o mirmecoleão com estes dois olhos que aqui estão. Posso, por isso, asseverar que tudo o que se diz sobre esta espécie é uma mistificação patética, um novelo de mentiras, um enredo bruto. Tenho uma cabeça de mirmecoleão na parede da sala, por cima da lareira, e sei perfeitamente que se trata de um animal felpudo e extremamente dócil, inclusivamente domesticável, se lhe dedicarmos a atenção necessária.

O mirmecoleão cuja cabeça mandei empalhar para colocar sobre a chaminé foi, aliás, o meu animal de estimação durante duas ou três semanas. No início, revelou-se uma companhia muito vivaz e divertida, capaz de passar horas a dar cabriolas para chamar a minha atenção e a inventar jogos e folias para me entreter. Depois, ao fim de alguns dias, menos de uma semana, pôs-se muito melancólico, deixou de comer e acabou por morrer, creio que de tristeza, o que me levou a concluir que, embora seja um animal domesticável, o mirmecoleão não deve ser domesticado.

Doía vê-lo deitado junto à janela como um gato ocioso, mas suspirando profunda e dolorosamente. Tentei que fugisse, abrindo-lhe as portas e as janelas, mas ele não foi embora e ficou comigo até ao fim, lambendo as patinhas brancas e suspirando muito, mas vindo aninhar-se regularmente no meu colo como se, efectivamente, me tivesse ganho uma estima enorme. Este apego, creio, constitui um atavismo da espécie quando domesticada e constitui, na verdade, o principal argumento contra a sua transformação em animal de companhia. O mirmecoleão é absolutamente amoroso mesmo quando sofre de modo atroz.

(cont)

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