terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Crónica de Verdade



Ainda não me foi concedido o privilégio de visitar Vénus, coisa que teria vindo muito a calhar nas férias agora findas, mas não troçarei, ainda assim, de Miyuki Hatoyama, a esposa do futuro primeiro-ministro do Japão, recentemente eleito. A senhora Hatoyama reclama, entre outras coisas aparentemente bizarras, ter sido abduzida por extraterrestres, que a terão levado num óvni triangular para conhecer o planeta-estufa. “Era muito bonito e verde”, descreveu a dama nipónica, levando-me a supor que Vénus seja parecido com o Gerês.

Ao contrário de muita e razoável gente, eu acredito em extraterrestres (ou, pelo menos, na sua possibilidade) e, sendo um amante dos dias longos, do Verão e do calor em geral, aprecio particularmente Vénus, onde um dia dura 5832 horas terrestres e as temperaturas atingem os 460 graus centígrados. Tenho, pois, inveja de Miyuki Hatoyama – não só visitou Vénus como pode, pelos vistos, atestar a existência do Japão, estranho país de que já ouvi falar, mas que nunca vi com os próprios olhos. Tenho avistado, ainda assim, uma quantidade enorme de japoneses e, se fosse a julgar pelas aparências, concluiria que há mais japoneses do que extraterrestres, o que não me parece plausível, tendo em conta a infinita extensão do universo (a menos, claro, que o universo seja parecido com o Alentejo: vasto e, porém, pouco povoado).

Em termos epistemológicos, conto-me entre aquele grupo de indivíduos que, colocados diante de um fenómeno misterioso e mais ou menos inexplicável, como a imaculada concepção, os moai da ilha da Páscoa ou a presença do Luisão na selecção brasileira de futebol, tendo a recorrer à mesma explicação que justifica a existência do super-homem: interferência alienígena na esfera terrestre. Não zombarei, por isso, das convicções esotéricas da senhora Hatoyama, uma vez que também desconfio que os extraterrestres têm o hábito de visitar detentores de cargos públicos, alguns aspirantes a primeiro-ministro e mesmo familiares próximos de políticos com reconhecido potencial. Enquanto ministro da Defesa e do Mar, por exemplo, Paulo Portas conseguiu garantir, com a ajuda alienígena da Nossa Senhora de Fátima, que o crude do navio Prestige não conspurcasse o mar português. E o ex-ministro da Economia Manuel Pinho foi várias vezes visitado por marcianos (tinham duas antenas na cabeça, como numa célebre fotografia) que lhe anunciaram o fim da crise.

É também por isso que julgo não dever afrontar a doutora Manuela Ferreira Leite. Certos sátiros, como o primeiro-ministro José Sócrates, poderão entreter-se em jogos de palavras, alegando que a verdade não é uma graça divina ou uma patente registada pela líder do PSD, mas eu creio convictamente que a Verdade lhe foi revelada por habitantes de não sei que planeta. Um dia destes, tenho a certeza, Manuel Ferreira Leite acabará por esclarecer tudo. Talvez diga que a Verdade (que não inclui vestígios de asfixia democrática na Madeira) é como Vénus ou o Paul da Serra: bonita e muito verde.

Crónica publicada no P2 do Público, no dia 9 de Setembro de 2009. Hoje, como todas as terças-feiras, há mais