segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Cabeçudos

Final da manhã em Caminha, que as férias de gente modesta devem ser assaz económicas, e não encontro em nenhuma das esplanadas da praça principal o vulto encurvado do doutor Sousa Homem. Supus que estivesse de férias em Moledo, apreciando a franca nortada que chega contornando o Monte Tecla e vindo, pela manhã, comprar os jornais à vila, lendo-os na esplanada e tomando um refresco de groselha. Mas não o descortino entre a multidão de sobrinhas chegadas da capital e do Porto. Foi talvez uma tolice imaginar que o velho doutor ali pudesse estar, apenas mais um entre os que aí estão lagarteando ociosamente como labregos entontecidos pelo sol. Se veio, há-de ter sido mais cedo, quando estes ainda descansavam dos bailes, das romarias e das discotecas, aperitivando agora com martinis o almoço que há-de seguir-se.

Não encontro Sousa Homem, mas, em compensação, há ciganos vendendo camisolas da Lacoste e bolsas Giorgio Armani e a praça de Caminha fervilha dessa sensualidade blasé que têm as burguesas do Porto quando vão de férias para o campo e rebenta com o estardalhaço dos bombos que uns mocetões locais castigam de forma quase ensandecida. Entre os grupos de bombos (reparei, com simpatia, nos Amigos do Binho, entre os quais se contavam gente de mui tenra idade e, pelos vistos, já com talento para a selecção das amizades que duram para a vida inteira) há dois gigantones dançando de modo muito bizarro. Dentro dos gigantones, rodopiando, estão homens pequeninos. Vejo-lhes os pé e parece-me que podem ser adolescentes. Os cabeçudos continuam a rodopiar, o sorriso tolo congelado nos rostos de papel pintado, e eu pergunto-me se não serão assim muitos daqueles que vemos grandes e vaidosos por fora, excessivamente sorridentes e felizes, berrando em comícios e tal: gente inchada com homens muito pequeninos lá dentro.