segunda-feira, 30 de março de 2009

Análise semiótica

Foi um fim-de-semana perdido para as coisas do espírito, mas eis que uma nova semana arranca e estou finalmente na posse do número inaugural da Playboy portuguesa. A impressão da Sogapal, S.A. de Queluz de Baixo, é pobre e, a espaços, deveras ruim, mas a revista, exceptuando a triste capa, apresenta-se cheia de motivos de interesse (opinião eventualmente contaminada pelo facto de ter comprado, ao mesmo tempo, o Jornal de Letras que traz na capa a Maria Teresa Hora – vocês, calhordas, sabem muito bem do que estou a falar).

Por partes: ainda condoído pela longa explicação de Costinha (página 31) para o facto de estar fora das opções do treinador do Atalanta, e antecipando com indescritível prazer o momento em que Pacman, o rapper (página 78), confessa a sua paixão futebolística pelo Nuno Gomes e profere a ameaça solene de escrever “um romance que tem muito a ver com Cabo Verde” (onde foi que já vi isto?), a publicação alcança alguns momentos de protuberante exaltação estética. A foto a duas páginas no plano de abertura do artigo dedicado a Rute Penedo apresenta uma iluminação subtil e que evoca a herança dos grandes e imortais mestres flamengos (falo dos pintores, obviamente, e não do queijo), momento estético ao qual nem o restante ensaio nem o poster dão a devida sequência pictórica. E é pena.

Entremeada por um artigo sobre as Ilhas Virgens Britânicas (o quanto aprecio a subtil ironia!), uma dissertação sobre chocolates (na qual se fica a saber que as mulheres gostam deles espessos, pegajosos e ricos) e uma longa reportagem acerca do tráfico de droga na Guiné Bissau, a sublimação ética do número inaugural é alcançada não com a colecção de estampas evocativas dos “55 anos de ouro” da criação de Hugh Hefner, mas, isso sim, com o concretismo epistemológico subjacente nas páginas dedicadas a outras nacionais doçuras. A contemplação do originalíssimo portfólio dedicado às amazonas portuguesas (“Os cavalos a correr e as meninas a aprender...”) exige uma ruptura radical com a ética cartesiana, de modo a permitir ao olhar a correcta fruição de Inês Belo, 31 anos, engenheira civil, Maria Arriaga e Cunha, 21 anos, estudante de arquitectura paisagística, Mariana Lapão, 21 anos, futura veterinária, e Inês Santos, 20 anos, estudante de engenharia zootécnica. Gostei dos fardos de palha, das botas de montar e dos cavalos brancos – mas, dado como sou a certas subtilezas, e menos à iconografia animalista, demorei o olhar, confesso, pela fulguração a preto-e-branco de Maria Arriaga e Cunha (página 123), talvez porque, por deformação socio-política, a visão aristocrática de uma Arriaga nua permaneça um fetiche significativo no pobre imaginário, tolhido pela sordidez labrega, do pequeno burguês que, afinal, sou.

Por fim, claro, uma ou duas palavras para Mónica Sofia. Qualquer das fotos interiores é melhor do que a da capa e permitem a ascese semiótica inerente a uma mulher pulcra e madura, plena e crioula, bela e farta (entaramelei um pouco nesta parte e escasseiam-me tanto o oxigénio quanto os adjectivos), integralmente depilada e que combina harmoniosamente com qualquer enquadramento cénico, das varandas com pinheiros mansos ao alvo lençol, da azul piscina ao chuveiro frio. Há uma imagem, porém, que, se não me atraiçoar o alzheimer, guardarei para os meses vindouros: na página 96 Mónica subiu ao telhado qual gata quente capaz de derreter e zinco e, de joelhos flectidos, pernas entreabertas e olhos fechados, recebe a dádiva diária do sol na pele levemente arrepiada do peito. Ui!