terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Zélia (e o youtube)

Os loucos vivem mais do que os outros? Não sei. Lembro-me apenas de que Zélia já não era uma mulher nova quando nos pedia cigarros à porta da escola e à porta dos bares de Ribeira. Mas não imagino que idade possa Zélia ter agora. Seja como for, lembrei-me hoje de Zélia outra vez, vinte anos depois, porque a minha filha, que anda agora na mesma escola em que eu andei, me falou de Zélia e parece que ela continua a pedir cigarros aos alunos. Há vinte anos, lembro-me de que Zélia dizia sempre a mesma frase, “dá-me um cigarro, filhinho", e que, às vezes, nos oferecia o pito em troca do tabaco — mas isto talvez o tenha inventado eu; talvez Zélia se limitasse, como parece que ainda faz, a aceitar levantar a saia encardida e a mostrar o pito feio e triste de mulher louca, que talvez seja o único pito a que têm direito os homens loucos que, como Zélia, vagueiam pela cidade pedindo cigarros e moedas. Sim. Talvez fosse só isso: Zélia levantava a saia e mostrava o pito se o quiséssemos ver. Mas não sei bem. O que então não fazíamos, mas parece que agora se faz, era filmar Zélia com o telemóvel para, depois, mostrar a sua destrambelhada imagem (e o seu encardido, feio e triste pito) na janela indiscreta do Youtube.